No início do carnaval no Brasil, a mulher podia participar bem pouco. As brincadeiras até eram permitidas, mas dentro do interior da casa, espaço que era destinado à ela. Aos poucos, na companhia de pais e esposos, as mulheres começaram a aproveitar a festa como espectadoras, observadoras de uma história que não parecia ser construída por elas. Isso mudou.
A mulher contribuiu para o fortalecimento da festa mais popular do Brasil, mas seus nomes nem sempre foram lembrados no decorrer dessa história. Por isso, o Mulheres de Luta celebra o Carnaval deste ano colocando em evidência algumas mulheres que fizeram a história do carnaval brasileiro.
A mulher no início do carnaval no Brasil
O Carnaval no Brasil desenvolveu-se a partir do entrudo, uma prática trazida pelos portugueses que se tornou popular durante o período Colonial e no Império. A brincadeira remonta à era medieval e ocorria tradicionalmente no período que antecede a quaresma. Consistia em jogar água, farinha, café, lama, e outros líquidos com odor nas pessoas, até mesmo urina. Os participantes faziam isso pelas ruas, nos ambientes rurais e até mesmo dentro das casas.
Essa manifestação, também chamada de “molhadela”, não era bem vista pela elite, que até participava da brincadeira, mas dentro de casa. As ruas, no entanto, eram ocupadas pelas camadas mais populares e majoritariamente por homens.
Às mulheres estava reservado o espaço do interior da casa. Quando elas intencionavam obter alguma proximidade com algum rapaz, era comum aproveitarem a oportunidade para jogar água de cheiro em alguém que passava embaixo da janela.
Aos poucos, essa prática foi se transformando nos bailes de máscara, especialmente pelo esforço das elites, embora ainda sem a participação das mulheres. Os bailes e desfiles de carros alegóricos eram organizados especialmente por homens, que sempre estavam à frente das sociedades carnavalescas. As mulheres não podiam pular carnaval, apenas assistir a festa ou dos camarotes ou das janelas de seus sobrados.
Com o passar do tempo, as mulheres começaram a reivindicar maior espaço na festa. A conquista se deu com o apoio do escritor José de Alencar, que sugeriu a criação de bailes para mulheres.
O Rio de Janeiro também inaugurou mais um tipo de prática que se popularizou nos carnavais da cidade carioca, e se expandiu para outras cidades. Os “corsos” eram agremiações carnavalescas da elite, que usavam seus carros de luxo abertos ornamentados para circular pelas ruas da cidade. Neles, os foliões jogavam confetes, serpentinas e lança-perfumes nos ocupantes de outros veículos. Os arquivos da Biblioteca Nacional apontam que a brincadeira teve início em 1907 por iniciativa das filhas do então presidente Afonso Pena. As mulheres participavam como acompanhantes do pai ou do marido.
Nos cortejos havia um pouco mais de participação feminina. Com o surgimento dos blocos, ranchos e cordões de carnaval, na segunda metade do século XIX, começou a diminuir o controle das mulheres na participação da festa.
Os ranchos eram muito populares nos anos 1920 na cidade carioca, especialmente entre a classe média, uma vez que os mais pobres não podiam comprar as fantasias. O desfile ocorria na Avenida Rio Branco. Os mais pobres saíam nos blocos e cordões. No início, a presença feminina nos blocos e cordões era pequena ou quase inexistente, especialmente porque eram proibidos e perseguidos pela polícia. Nas primeiras décadas do século XX, as mulheres começaram a participar em maior quantidade, já que o período também correspondeu ao fim da repressão policial. Nos ranchos havia maior participação feminina desde o início, especialmente na confecção de fantasias e arrecadando dinheiro para bancar o cortejo.
Na década de 1920 ocorre também o surgimento das escolas de samba e o início dos tradicionais desfiles, que ganham ainda mais força na década de 1930. O motor que impulsionou essa popularização teve intensa participação feminina, embora o reconhecimento dessa contribuição não tenha ocorrido de forma adequada ao longo da história.
Tia Ciata, e as Tias Baianas no Carnaval Carioca
No final do século XIX, a cidade do Rio de Janeiro começou a receber um considerável número de baianos em busca de oportunidades de trabalho, entre eles, matriarcas baianas que eram referência para a comunidade negra como a Tia Bebiana, a Gracinda do bar Gruta Baiana e a conhecida Tia Ciata.
O local onde esses recém-chegados se instalaram ficou conhecido como Pequena África, localizada na região portuária do Rio de Janeiro. O local transformou-se em um quilombo urbano, um lugar de resistência onde a comunidade negra pode propagar seus costumes e viver sua cultura.
Nesse espaço, as baianas conseguiram desenvolver uma rede de relacionamentos e socialização que foi muito importante para toda a comunidade negra, e uma das mulheres mais importantes nesse contexto foi a lendária Tia Ciata.
Hilária Batista de Almeida, a Tia Ciata, nasceu em Salvador no ano de 1854, e chegou ao Rio de Janeiro em 1875. Como era casada com o baiano João Batista da Silva, que trabalhava no gabinete do chefe de polícia sob indicação do presidente Wenceslau Brás, a casa de Tia Ciata atraia toda a comunidade por ser considerado um lugar seguro. A baiana abriu suas portas e sua residência tornou-se ponto de encontro dos sambistas da época.
Tia Ciata fabricava doces e empregava mulheres que se vestiam de baianas para venderem suas guloseimas nas ruas do Rio de Janeiro. Ela também confeccionava roupas, não só para as vendedoras como também para os clubes carnavalescos. Mas foi em sua casa, e nas casas de outras Tias Baianas que o Carnaval e o samba ganharam força, trazendo a cultura africana para a festividade.

Não há muitos registros sobre a participação feminina na história do carnaval, mas isso ocorre porque muitas delas ficaram com um papel de coadjuvante, ao lado de seus maridos, em narrativas que em grande parte foram construídas por homens. Mas, investigando esse passado, percebemos que as Tias Baianas foram grandes matriarcas que acentuaram a importância da presença feminina no carnaval e contribuíram para o fortalecimento das escolas de samba. A ala das baianas que participavam do coro do samba-enredo, é só mais um dos exemplos da revolução que a presença feminina provocou no carnaval do Rio de Janeiro.
Dona Ivone Lara e as composições de sambas-enredo
As primeiras escolas de samba foram fundadas entre 1920 e 1930. Na década de 1930, as mulheres começaram a ampliar sua participação no carnaval, inclusive nos desfiles, embora as agremiações de escolas ainda fosse um lugar dirigido por homens.
Dagmar da Portela foi a primeira mulher a desfilar à frente da bateria, em 1938, tocando surdo em uma época em que as baterias eram formadas majoritariamente por homens.
A primeira mulher a integrar uma Ala de Compositores de Escola de Samba foi Ivone Lara, estando a frente da Império Serrano. Ela assina o samba-enredo considerado como um dos melhores de todos os tempos, Os Cinco Bailes da História do Rio (1965), mas houve uma época em que ela era impedida de assinar suas composições. Na década de 1960, inclusive, ela teve que deixar um primo assinar suas músicas porque não era admitida a participação de uma mulher entre os compositores.

Carmelita Brasil foi a primeira mulher a dirigir uma escola de samba, estando à frente da Unidos da Ponte, escola de São João de Meriti. Compositora, Carmelita também foi responsável pelos sambas enredos da escola entre 1959 e 1964. Ainda hoje o ambiente da ala compositora das escolas é majoritariamente ocupado por homens.
Atualmente, muitas mulheres apaixonadas pela festa continuam se empenhando para manter vivo o carnaval. Elas estão nos bloquinhos de rua e nas escolas de samba, costurando ou presidindo. São percussionistas, passistas, carnavalescas, e mesmo diante das dificuldades, elas se esforçam com amor pelo carnaval para conquistarem seus espaços.
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