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Websérie Moda sem Medida: assista e aprenda a amar seu corpo!

Você já se sentiu excluída ou inadequada por não se encaixar nos padrões impostos pela indústria da moda e pela sociedade? Se sim, saiba que você não está sozinha. Muitas mulheres enfrentam o mesmo problema todos os dias, e é por isso que o Mulheres de Luta lançou a Websérie Moda sem Medida, uma produção que retrata o universo da moda para mulheres gordas no Brasil e incentiva as mulheres a se amarem e se divertirem com seus corpos, independentemente dos padrões impostos.

Composta por 10 episódios, a Websérie é protagonizada pelas influenciadoras digitais Thaís Carla, Maristela Abreu e Ju Romano, que compartilham suas experiências e aprendizados sobre moda, autoestima, infância, carreira e relacionamentos. Ao longo dos episódios, outras convidadas se juntam à conversa para enriquecer o debate.

O objetivo da Websérie é desestigmatizar o termo “gorda” e incentivar as mulheres a se amarem e se divertirem com seus corpos, independentemente dos padrões impostos pela indústria da moda e pela sociedade. A produção é baseada no documentário homônimo exibido no canal Fashion TV e foi dirigida por Vanessa A. Souza, com produção do núcleo de pesquisa, difusão e produção audiovisual Lascene.

Além de abordar temas relevantes e necessários para o público feminino, a Websérie Moda sem Medida é uma produção de alta qualidade, com roteiro bem construído, fotografia impecável e edição cuidadosa. E o melhor de tudo: todos os episódios estão disponíveis gratuitamente no site do Mulheres de Luta, para que todas as mulheres possam assistir e aprender a amar seus corpos.

Por isso, se você ainda não assistiu à Websérie Moda sem Medida, não perca mais tempo. Reserve um momento do seu dia para se divertir e se inspirar com as histórias das protagonistas e convidadas, e aprenda a amar e valorizar seu corpo do jeito que ele é. Afinal, como diz a mensagem da Websérie: “DIVIRTA-SE com o corpo maravilhoso e funcional que você tem… um corpo que não é nem nunca será perfeito, mas que te possibilita inúmeras coisas. Já parou para pensar?!” Os episódios da Websérie trazem diversas reflexões e histórias inspiradoras sobre autoestima, beleza e liberdade. Confira abaixo a sinopse de cada um:

Episódio UM – Meu corpo é minha casa

Prepare-se para se inspirar com suas histórias pessoais emocionantes. Neste episódio, as influenciadoras Thaís Carla, Maristela Abreu e Ju Romano abrem seus corações sobre a forma como enxergam seus corpos e como isso afeta sua autoestima. 

Episódio DOIS – Praia, piscina, sol, biquíni e… o “corpo ideal pro verão”?

Que tal se libertar desses padrões opressores e aproveitar a estação sem culpa? Neste episódio, nossas protagonistas compartilham suas experiências e dicas para se sentir livre e confiante, independentemente do seu tipo físico.

Episódio TRÊS – A relação com o corpo na infância

A opinião dos outros pode afetar a forma como nos enxergamos, principalmente na infância. Thaís Carla sofreu com o preconceito de que “gorda não pode”. Neste episódio, as influenciadoras mostram como superar essa e outras barreiras para se tornar quem sempre sonharam ser.

Episódio QUATRO – Alimentação, corpo e emagrecimento

A sociedade impõe padrões de beleza inalcançáveis, o que pode afetar a relação das mulheres com a alimentação. Mas é possível mudar essa relação ao longo do tempo. Neste episódio, as protagonistas compartilham como suas experiências pessoais mudaram sua perspectiva e ajudaram a transformar sua relação com a comida.

Episódio CINCO – Corpo livre de padrões

O corpo é uma ferramenta incrível para explorar novas possibilidades, seja por meio de hobbies, arte ou carreira. Neste episódio, nossas influenciadoras nos inspiram a abandonar preconceitos e aproveitar tudo o que a vida tem a oferecer.

Episódio SEIS – Como se mostrar para o mundo

Moda é muito mais do que roupas bonitas, é uma forma de se expressar e se destacar no mundo. Neste episódio, algumas convidadas compartilham suas experiências e desafios nesse mundo tão exigente e competitivo.

Episódio SETE – Como encontrar seu estilo

Encontrar seu estilo pode ser difícil quando a moda tradicional exclui quem não se encaixa nos padrões. Neste episódio, nossas protagonistas falam sobre os desafios que enfrentaram no mercado da moda antes e depois do movimento Plus Size, incluindo dentro do próprio nicho.

Episódio OITO – Sensualidade sem padrões

Chegou a hora de falar sobre sensualidade e sexualidade sem tabus ou vergonha. Neste episódio, nossas influenciadoras compartilham suas experiências pessoais sobre roupas íntimas, sexo e como amar seus corpos é fundamental para uma vida sexual satisfatória.

Episódio NOVE – Moda para gordas

A mídia está se tornando mais inclusiva e diversa em relação à moda Plus Size? Neste episódio, nossas protagonistas mostram como a explosão digital democratizou a moda e tornou a expressão individual mais acessível.

Episódio DEZ – Amor próprio é tudo!

Autoestima e amor próprio foram fundamentais para que nossas influenciadoras alcançassem sucesso na carreira e no amor. Neste episódio final, elas compartilham suas histórias inspiradoras e mostram como a relação saudável com seus corpos foi essencial para suas conquistas pessoais e profissionais.

Assista à Websérie e deixe-se inspirar pelas histórias de autoestima e liberdade das protagonistas!

Exposição Marielle Marés

A exposição “Marielle Marés” é uma reverência à força de uma mulher negra, homossexual, socióloga e política que deixou um legado inestimável na luta pelos direitos humanos e pela igualdade social. Através da porta de seu gabinete de vereadora, das placas que a homenageiam e das telas de artistas plásticos, como Marcondes Rocco, Pâmela Couto Di Alencar, Flávio Vidaurre, Will Barcelos e Marcela Cantuária, somos convidados a mergulhar na história de Marielle Franco, seus feitos e batalhas.

Ela foi a quinta candidata mais votada no município e a segunda mulher vereadora mais votada no país. Sua atuação foi marcada pela defesa dos direitos humanos, pela denúncia dos abusos policiais nas favelas, pela luta contra a violência de gênero e pela promoção da participação política das mulheres e dos direitos da população LGBTQIA +. Marielle Franco tornou-se um ícone para as minorias e uma referência para aqueles que lutam pela justiça social.

Infelizmente, em março de 2018, Marielle foi assassinada, e até hoje a resolução deste crime ainda não foi concluída. No entanto, sua memória e legado continuam vivos, e sua trajetória inspira pessoas a lutar por justiça social e igualdade.

Venha se emocionar com a história de Marielle Franco, conhecer sua trajetória e honrar sua memória na exposição “Marielle Marés”. As telas estão disponíveis para visitação, conforme horários de funcionamento do Museu da República, no 3º andar do Museu, até o dia 21 de maio.

E para se conectar ainda mais com essa importante figura da história do Brasil, recomendamos que assista à entrevista completa de Marielle Franco no Mulheres de Luta, realizada em 2016 pela Lascene Produções, onde ela fala sobre suas lutas e desafios enfrentados na defesa dos direitos humanos.

Além disso, o Mulheres de Luta disponibiliza outros conteúdos sobre Marielle Franco, como “O Legado de Marielle Franco” e “Mulheres negras que inspiraram Marielle Franco”. Esses conteúdos destacam a importância da luta de Marielle e sua influência na luta pelos direitos humanos no Brasil. Você pode acessar esses conteúdos nos seguintes links:

O Legado de Marielle Franco: https://www.mulheresdeluta.com.br/o-legado-de-marielle-franco/

Mulheres negras que inspiraram Marielle Franco: https://www.mulheresdeluta.com.br/mulheres-negras-que-inspiraram-marielle-franco/

Assistir a esses vídeos e ler esses conteúdos é uma oportunidade de se aprofundar na trajetória e no legado de Marielle Franco, bem como para fortalecer a luta pelos direitos humanos no Brasil.

Curso gratuito de Storytelling para mulheres da periferia carioca

A Lascene Produções, com apoio da Riofilme, convida as mulheres da periferia carioca a participarem do projeto Contadoras de Histórias, um curso gratuito de Storytelling. O objetivo do curso é capacitar mulheres moradoras do subúrbio carioca como contadoras de histórias de narrativas para obras audiovisuais dos gêneros ficção, documentário e jogos.

O curso será composto por 5 (cinco) encontros de 2 (duas) horas de duração cada. O primeiro encontro será presencial na Lona Cultural de Guadalupe, e os demais encontros serão realizados online e ao vivo, através da plataforma Google Meet.

O curso será ministrado por profissionais com experiência e domínio em Storytelling, conforme o calendário abaixo:

11 de março – Storytelling, Vanessa de Araújo Souza | Presencial (Lona Cultural de Guadalupe)

14 de março – Documentário, Vanessa de Araújo Souza | Online

16 de março – Ficção, Sonia Rodrigues | Online

21 de março – Jogos, André Maia | Online

23 de março – Pitching, Daniel Archangelo | Online

O curso será oferecido a 30 mulheres moradoras do subúrbio carioca, que receberão um certificado de conclusão. Além disso, mulheres e homens de todo o Brasil poderão se inscrever como ouvintes para assistir aos encontros online.

Na aula inaugural, ministrada presencialmente pela cineasta, produtora e roteirista Vanessa de Araújo Souza, serão introduzidos os fundamentos do Storytelling, estrutura da narrativa clássica, técnicas para desenvolvimento de roteiro e como criar histórias convincentes e autorais.

Na segunda aula, que será virtual, Vanessa de Araújo Souza retorna para ensinar o que é um documentário, seus vários tipos, como desenvolver narrativas baseadas em fatos, e diferentes abordagens para escrever argumentos e roteiros de obras documentais.

Na terceira aula, realizada online, a escritora e roteirista Sonia Rodrigues abordará elementos narrativos da ficção, como mundo inconfundível, a jornada do herói, além de dicas para criar conexão e interatividade com o espectador.

Na quarta aula, o diretor e roteirista André Maia fará um encontro online para debater o desenvolvimento narrativo de jogos, desde o enredo, na primeira etapa, até a importância do storytelling na experiência do jogador. Também abordará a criação de histórias interativas que impactem o mundo moderno e como usar experiências pessoais na interatividade do Worldbuilding.

Na quinta e última aula, o produtor audiovisual, ator e diretor, Daniel Archangelo falará sobre pitching e caminhos para apresentar projetos audiovisuais para produtoras, canais de TV, streaming, investidores, distribuidoras e outros players do mercado.

Com exceção da aula inaugural, as demais serão acessadas online, via tablet, computador ou celular.

Para mais informações, acesse: https://contadorasdehistorias.com.br/

A Escrita das Mulheres

Documentário produzido pela Lascene produções | Inédito

Literatura feminina ou literatura de autoria feminina?

“Não existe lugar de fala na arte”. Assim afirma a escritora Sônia Rodrigues, na entrevista para o documentário A Escrita das Mulheres. Para ela, bem como para outras entrevistadas, os livros podem ser de autoria feminina ou masculina, mas não há que se falar em obras femininas ou masculinas, pois mesmo um autor homem seria capaz, com talento e boa vontade, de encontrar a alma feminina a ponto de retratá-la com perícia, detalhe e profunda realidade. Exemplos não faltariam, tal como Flaubert, ao descrever Madame Bovary, ou Tchekhov através de suas diversas criações femininas (com indiscreta predileção ao As Três Irmãs).

A premiada escritora Lúcia Bettencourt questiona: “o que faz com que reconheçamos verdade na personagem de Madame Bovary, que foi escrita por um homem?” Pergunta que vem a ser respondida pela escritora e tradutora Susana Fuentes: “há uma sensibilidade no feminino que pode também estar no texto de um autor.”

A escritora Beatriz Bracher é ainda mais assertiva: “nunca ninguém conseguiu me dizer quais são as características da literatura feminina… tudo o que me falam encontro em livros escritos por homens também.”

“Eu não conseguiria ler um bom livro e saber se ele foi escrito por um homem ou por uma mulher” (Ana Maria Machado, jornalista, professora, pintora e escritora).

A eterna Nélida Piñon, que partiu e nos deixou as saudades e seu imenso legado artístico, descortina sua visão com tamanha lucidez:

“Eu acho muito importante que o autor pense ‘eu sou você’, ‘eu sou homem’, ‘eu sou mulher’. Você tem que assumir todas as formas. Eu não posso ser a escritora que eu desejo ser se eu não for mulher, se eu não for homem, se eu não for criança, se eu não sentir as vibrações, as modalidades afetivas, os bichos” (Nélida Piñon).

No entanto, há escritoras que possuem uma visão um pouco diferente. Elas acreditam que a escrita feminina é essencialmente singular e, portanto, não pode ser simulada por um autor masculino.

A poeta Alice Ruiz defende que o fato do ser mulher determina a escrita: “o tempo inteiro eu sou uma mulher que escreve.”

Meimei Bastos e Cristina Sobral também advogam nessa vertente. Meimei se recorda da força da escrita feminina, e Sobral nos faz lembrar que não só existe uma escrita feminina, mas que “ela é urgente”.

Para a escritora Marina Colasanti, a escrita é sim feminina, pois a ferramenta do autor é o olhar, e o olhar sobre o mundo possui um gênero: “eu vejo o mundo com olhos de mulher.”
Nascida no Chile, a escritora e tradutora brasileira Carola Saavedra compartilha dessa visão, ao dizer que é mais fácil se aproximar de uma personagem feminina; todavia, em relação ao homem há uma distância, um limite – depois desse limite, a escrita advém de pura observação: é algo mais intuitivo, pois está para além da fronteira da compreensão da alma feminina.

Para essas mulheres, a escrita não é, portanto, fruto tão somente de uma construção social. Homens e mulheres são visceralmente distintos, de modo que a visão que possuem de mundo e, por consequência, seus escritos, encontrarão, invariavelmente, diferentes percepções e valores.

“Nosso sangue se dá
de mão beijada
se entrega ao tempo
como chuva ou vento”
(Marina Colasanti)

A controvérsia segue no documentário, porém, o que é ponto pacífico entre as escritoras é a importância de as mulheres escreverem; escreverem para construir uma identidade, até porque a literatura também é um discurso social. A literatura feminina – ou de autoria feminina – é fruto da interrogação das mulheres em cada período histórico.

E hoje as conjunturas são deveras oportunas, como bem destacou Heloísa Buarque de Hollanda: a presença das mulheres é enorme e passa dos 50% no mercado editorial, de modo que “a literatura feminina hoje está no seu melhor momento”, afirmou a ensaísta.

“Ser mulher… Buscar um companheiro, e encontrar um senhor”
(Gilka Machado)

É importante destacar que o bom momento não é fruto do acaso, mas sim de uma construção – histórica, lenta e corajosa. Em A Escrita das Mulheres, as escritoras, poetas, tradutoras, estudiosas e pensadoras entrevistadas homenageiam as célebres escritoras que desvelaram esse mundo sem limites da escrita, para que os primeiros fachos de esperança alcançassem as novas gerações e, nos dias presentes, possamos comemorar um cenário em que mulheres já estão completamente integradas, ativas e protagonistas no mercado editorial.

Ganham destaque Virginia Woolf, verdadeira lenda britânica nascida no século XIX, e, no Brasil, Gilka Machado, escritora que alcançou a fama no início do século XX. Essas escritoras retiraram as mulheres de suas casas, de suas realidades impostas e limitadas, rumo à arte, à eroticidade, ao leme que permitiu tomar a direção de suas próprias vidas.

“Luzia não queria ser santa; queria ser menino, porque santa não pode fazer nada, e menino pode fazer tudo” (Susane Fuentes).

O documentário A Escrita das Mulheres desenvolve esse questionamento sobre a essencialidade do gênero feminino na literatura e abarca diferentes visões de algumas das principais escritoras brasileiras. Embora a discussão não tenha um desfecho e, portanto, a pergunta continue acesa e provocante, o maior tesouro dessa produção é justamente o encontro de tantas personalidades notáveis, as deliciosas conversas e a rica inspiração motivadora que vem do encontro de mulheres tão inteligentes, fortes, corajosas, vivas, donas de si, protagonistas de seu próprio mundo e criadoras da sua história.

“Anseio por liberar-me das obrigações, da falsa polidez, do peso dos objetos. A solidão, que a noite acentua, é a minha salvaguarda” (Nélida Cuíñas Piñón, nascida em 3 de maio de 1937, no Rio de Janeiro, falecida em 17 de dezembro de 2022, com 85 anos, e integrante da Academia Brasileira de Letras).

Maria Firmina dos Reis e a literatura do testemunho

Maria Firmina dos Reis (1825 – 1917), autora do romance Úrsula (1859), primeiro romance abolicionista publicado por uma mulher negra no Brasil, sob pseudônimo Uma Maranhense, nasceu na Ilha de São Luís, Maranhão, em 11 de outubro de 1825, cerca de três anos após a Independência do Brasil. 

Mesmo registrada como filha de João Pedro Esteves e Leonor Felipe dos Reis, viveu parte de sua vida na vila de São José de Guimarães, com uma tia materna melhor situada financeiramente. Lá, teve seus primeiros contatos com a literatura por influência de Sotero dos Reis, professor, gramático e filólogo; familiar com o qual conviveu e no qual encontrou suas primeiras referências.   

Além de escritora, tornou-se a primeira mulher a ser aprovada em um concurso público no Maranhão. Era para o cargo de professora de primeiras letras para a Cadeira de Instrução Primária na vila de São José de Guimarães, onde atuou de 1847 até 1880. 

Nessa época era um costume festejar os mais novos aprovados com um desfile, onde homens pretos escravizados os carregavam nas costas. No entanto, Maria Firmina dos Reis, com muita fúria e força, se recusou a participar desse circo de horrores. Esse foi um dos muitos protestos que viriam ao longo da sua marcante trajetória:

—  Escravos não são bichos para levar pessoas montadas neles.

— Por qualquer modo que encaremos a escravidão, ela é, e sempre será um grande mal. […] O escravo é olhado por todos como vítima – e o é. O senhor, que papel representa na opinião social? O senhor é o verdugo – e esta qualificação é hedionda”, diz um trecho de sua obra, A Escrava.

No início da década de 1880, iniciou um processo de revolução educacional ao fundar uma escola gratuita para crianças de ambos os sexos, que escandalizou os círculos locais e foi suspensa pouco mais de dois anos após ser fundada. O fato de ter inaugurado a primeira escola mista do país, indica as ideias avançadas de Maria Firmina dos Reis visto o período.

Vale ressaltar o objetivo religioso que pautava a educação feminina no século XIX, ademais da aprendizagem voltada à tarefas consideradas inerentes ao gênero como: bordado, piano e ensino do francês, língua compreendida como da sociedade

Segundo Zahidé Muzart, a professora se fez presente também na empresa local, através de publicações colaborativas à jornais literários, tais como A Verdadeira Marmota, Semanário Maranhense, O Domingo, O País, Pacotilha, O Federalista e outros periódicos (MUZART, 2000).

Maria Firmina conquistou ainda o primeiro lugar em História da Educação Brasileira, que lhe valeu o título de Mestra Régia. Em 1881, mesmo afastada do ensino público oficial, seguiu ensinando aos filhos de lavradores e fazendeiros no Maranhão. 

O texto mais relevante, utilizado para conhecimento sobre a escritora, é intitulado Resumo da minha vida. Onde, em tom melancólico, Firmina conta sobre sua infância e solidão. A autora demonstra plena consciência acerca dos problemas enfrentados por uma educação patriarcal: uma espécie de educação freirática

Por essa razão, quis ministrar uma educação diferente, educando juntos ambos os sexos. Sabe-se também que o ensino público e particular no Maranhão eram precários e quase inexistente à educação voltada às meninas, principalmente negras. 

Nessa perspectiva, o romance Úrsula é fundamental para refletir sobre o ponto de vista da autora acerca de seu contexto: uma mulher negra, intelectual, vivendo a época da escravidão no Brasil. 

Sua obra traz à narrativa dois escravos que pela primeira vez tem voz. Remete o leitor a uma outra África, uma terra de liberdade, diferente da propagada pelo colonizador. A visão de Maria Firmina escapa também ao estereótipo da “mulata sensual”, utilizado por Aluísio de Azevedo em O cortiço (1890). Seus personagens, ainda que secundários, remetem invariavelmente a subalternidade imposta durante o contexto.

A autora aborda o tráfico negreiro a partir do negro escravizado e subumanizado, se refere aos traficantes europeus como “bárbaros”, contrapondo a educação freirática que justifica a colonização através de interpretações – racistas – da Bíblia e foi amplamente compreendida como empreendimento civilizatório.  

A luta psicológica dos personagens pela própria identidade supera as simples descrições de navios negreiros. A visão de Maria Firmina é bem mais ampla e refinada que em geral (MARTIN, 1988).

É preciso lembrar que a província do Maranhão era considerada fortemente escravista, pairava a ideia, derivada da política de branqueamento, que os escravos contaminavam os brancos com suas crenças e vícios. Tais ideias eram alimentadas, além da Igreja, pelo biologismo do século XIX, teoria que classifica a variedade humana entre raças superiores e inferiores. 

No quesito produção intelectual, Maria Firmina dos Reis foi coerente à perspectiva da época, seguiu o caminho traçado pela literatura ocidental, onde as personagens seguem o padrão de cumpridoras dos deveres para com seus senhores, leais e honestas. 

Ainda assim, conferiu grande importância às personagens negras escravas no século XIX, quando a imagem do negro na literatura era a do escravo maltratado, submisso ou louco. Pesquisadores entendem o texto da escritora maranhense como literatura do testemunho, onde pela primeira vez os negros têm voz atuante na denúncia dos males da escravidão e no resgate de uma África como espaço de civilização e liberdade, distorcida pelo colonizador.      

Mesmo publicado em 1859, o livro Úrsula só recebeu o devido reconhecimento após ser encontrado em um sebo, por Horácio de Almeida, em 1962. Após pesquisa, Horácio identificou a autora por trás do pseudônimo Uma Maranhense e lançou uma nova edição do romance. No prólogo da edição, questiona a ausência de Firmina nos estudos críticos relacionados à literatura. 

Pouco se sabe da autora. Seu nome, Maria Firmina dos Reis, permaneceu mais de um século sepultado no esquecimento. De espantar e que isso tenha acontecido no Maranhão, terra que foi no passado um viveiro de homens ilustres, muitos dos quais com repercussão além das fronteiras do Brasil (ALMEIDA, 1975).

Uma das justificativas relacionadas à ausência de Firmina, traz à luz a preocupação dos literários com o estético. Na literatura de testemunho, não há, primordialmente, preocupação com o estético. Há pessoalidade na escrita frente às injustiças do contexto do autor(a), que traduz sua experiência de marginalização e exclusão social. 

O legado de Maria Firmina dos Reis

Livros como o de Maria Firmina dos Reis são as primeiras manifestações de mulheres brasileiras através da literatura. Ela nos conta, com suas obras e legado, os limites aos quais estavam confinadas as mulheres, principalmente as mulheres negras, de seu tempo. 

Com sua referência, abriu portas à intelectuais como Conceição Evaristo: atuante na área da educação e produção textual desde meados do século XX, grande nome dos movimentos de valorização da cultura negra no Brasil. 

Como Cristiane Sobral, primeira atriz negra formada em Interpretação Teatral pela Universidade de Brasília (UnB). Escritora, dramaturga e poeta brasileira, publicou em 2010 o Não vou mais lavar os pratos, livro que reúne 123 poemas relacionados ao cotidiano, dentre eles: Imagens de uma África longínqua e ancestral, Situação atual da mulher negra e o Grito da negritude

O poema que intitula o livro, faz jus ao anseio por liberdade, além de denunciar opressões de classe, raça e gênero. Nele, a escrita surge como uma libertação quando a mulher, ao aprender a ler, rechaça sua exclusão social e opressão doméstica. 

Não vou mais lavar os pratos. Nem limpar a poeira dos móveis. Sinto muito. Comecei a ler. Abri outro dia um livro e uma semana depois decidi. Não levo mais o lixo para a lixeira. Nem arrumo mais a bagunça das folhas no quintal. Sinto muito. Depois de ler percebi a estética dos pratos, a estética dos traços, a ética, a estática. Olho minhas mãos bem mais macias que antes e sinto que posso começar a ser a todo instante. Sinto. Agora sinto qualquer coisa. Não vou mais lavar os tapetes. Tenho os olhos rasos d’água. Sinto muito. Agora que comecei a ler, quero entender o porquê, por que e o por quê. Existem coisas. Eu li, e li, e li… Eu até sorri e deixei o feijão queimar. E olha que feijão sempre demora para ficar pronto…Considere que os tempos agora são outros… Ah, esqueci de dizer: não vou mais. Resolvi ficar um tempo comigo. Resolvi ler sobre o que se passa conosco. Você nem me espere, você nem me chame. Não vou. De tudo o que jamais li, de tudo o que entendi, você foi o que passou. Passou do limite, passou da medida, passou do alfabeto. Desalfabetizou. Não vou mais lavar as coisas e encobrir as sujeiras inteiras, nem limpar a poeira e espalhar o pó daqui para ali e de lá para cá. Desinfetarei minhas mãos. Depois de tantos anos alfabetizada, aprendi a ler. Sendo assim não lavo mais nada e olho a poeira no fundo do copo. Vejo que sempre chega o momento de sacudir, de investir, de traduzir. Não lavo mais os pratos. Li a assinatura de minha lei áurea. Escrita em negro maiúsculo, em letras tamanho 18, espaço duplo. Aboli. Não lavo mais os pratos. Quero travessas de prata, cozinha de luxo e joias de ouro. Legítimas. Está decretada a Lei Áurea (SOBRAL, 2010).

Outra intelectual que teve como referência Maria Firmina dos Reis é a escritora, cordelista e poeta Jarid Arraes. Em sua coleção Heroínas Negras na História do Brasil, ela apresenta, através da linguagem poética, a história da própria Maria Firmina dos Reis, dentre outras mulheres negras que fizeram história e construíram a História do Brasil. 

É por isso que eu faço; No cordel a correção; Que conheça a Firmina; Um orgulho pra nação; E que espalhem sua obra Que desperta o coração (ARRAES, 2017).

No prefácio do compêndio, a convidada a escrevê-lo Jaqueline Gomes de Jesus, reitera que “com este belíssimo livro, Jarid Arraes contribui, de maneira extraordinária, para que resgatemos nossa memória: como mulheres negras, como pessoas negras, como brasileiras e brasileiros!” (ARRAES, 2020).

Mais um exemplo de como a literatura dá voz ao testemunho é Miriam Aparecida Alves, que integrou de 1980 a 1989 o coletivo Quilombhoje Literatura como responsável pela produção dos Cadernos Negros. Ela afirma: “comecei chorando, agora grito palavras e lágrimas, os soluços e as agulhas da opressão que ferem fundo minha pele negra”. 

Em entrevista ofertada a Gláuks: Revista de Letras e Artes em julho de 2020, Miriam disse também que seu fazer literário tem viés na literatura negra brasileira, que se propõe a trazer para o cenário literário o protagonismo do cidadão negro brasileiro. Como fez Maria Firmina dos Reis, dentro dos limites de seu tempo.

Alinhadas a este mesmo cenário literário, estão as mineiras Ana Maria Gonçalves e Cidinha da Silva. A primeira é autora do romance Um defeito de cor. Nele, a História do negro no Brasil ocupa o centro da narrativa e rechaça o ponto de vista eurocêntrico da História convencional. 

Esta biografia ficcional de Kehinde conquistou ainda o Prêmio Casa de Las Américas de 2006 como melhor romance do ano. Além de, através das vivências da personagem principal, Ana Maria Gonçalves tornar palpável ao leitor experiências cotidianas dos afrodescendentes no Brasil.

Já Cidinha da Silva, finalista do prêmio Jabuti em 2019, dialoga entre as tradições africanas, afro-brasileiras, afro-diaspóricas, afro-indígenas e a contemporaneidade. Colabora, como todas as intelectuais citadas, à sociedade com seus referenciais teóricos pautados nas relações étnico-raciais. 

Suas obras abordam, além do racismo, temas referentes a desigualdades e Direitos Humanos. Em especial Um exú em Nova York, que incita questões como: relações de gênero, violências simbólicas, intolerância religiosa, marginalização e política higienista. 

Similar a abordada política de branqueamento do século XIX, a politica higienista combatida por Cidinha da Silva diz respeito ao tratamento do Estado para com o povo negro durante o processo de urbanização das cidades. 

Entender similaridades como essa, é sinônimo de reconhecer a existência de práticas escravistas que são perpetuadas até atualmente e nos fazem questionar quais espaços ocupam as mulheres negras nos dias de hoje.  

Onde estão as mulheres negras? 

Em 2003, a Lei 10.639/03 tornou obrigatório o ensino da História e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, públicas e particulares, do Ensino Fundamental e Ensino Médio no Brasil. É importante avaliar seus efeitos representativos, já que, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 54% da população brasileira é negra.

Apesar do regulamento, se analisarmos a questão através do âmbito da produção pedagógica, editorial e social, a mulher negra ainda está vinculada a uma figura de hiper sexualização e submissão. Larissa Pereira dos Santos Gomes aponta que no livro didático Oficina de História (2012), às mulheres negras aparecem em apenas 2,32% das imagens, o equivalente a 9 de 387 imagens com representações humanas. 

A primeira imagem de uma mulher negra aparece somente na página 301 do livro, reprodução do quadro de Diogo Velázquez A empregada da cozinha e a ceia em Emaús (1617-1618). Nela, uma jovem utiliza vestes simples atrás de um balcão com utensílios de cozinha, que reforça o espaço de servidão destinado à mulher negra (GOMES, 2019). 

A última imagem está na página 808, uma fotografia onde Michelle Obama aparece de costas (GOMES, 2019). Vale destacar que todas as pinturas selecionadas para estruturar o conteúdo do livro foram feitas a partir da observação de homens brancos e europeus. Assim como as fotografias ali presente também pertencem a homens brancos. 

Resta reconhecer que o livro didático de Literatura do Ensino Fundamental e Médio se apresenta como importante elemento de divulgação de concepções culturais e visão de mundo. Os autores cumprem um papel fundamental nas escolhas ideológicas e, portanto, na imagem de mulher negra a ser ou não perpetuada. Por isso a importância de intelectuais como Miriam Aparecida Alves ou Cidinha da Silva não apenas no âmbito da produção textual. 

Essas autoras, além da contribuição cientifica com a qual nos presenteiam, se apresentam como referência à milhares de jovens negros e negras do Brasil, expondo alternativas aos espaços que, de maneira simbólica, desde a educação básica se configura à eles(as).  

Sobre o racismo retratado, Zahidé Lupinacci Muzart escreveu:

Maria Firmina dos Reis é mulata e tendo sofrido, seguramente, o preconceito racial vigente no Brasil, ainda assim escolhe o par romântico pertencente à etnia dominante. O racismo imperante é muito bem retratado em pinturas da época, além, naturalmente, de o ser na literatura (MUZART, 2014).

O par romântico citado, faz referência a construção dos personagens principais do livro Úrsula.  

Conceição Evaristo, em artigo intitulado Literatura negra: uma poética de nossa afro-brasilidade, reflete sobre a produção e veiculação do texto literário negro, além de reconhecer importância dele na divulgação e representação legitima de nomes importantes, muitos ainda desconhecidos, da literatura afro-brasileira. 

A estudiosa abraça a perspectiva de que representatividade, como expressão dos interesses de um grupo na figura do representante, é fator determinante na construção da identidade e subjetividade do indivíduo que compõe o grupo.  

A título de exemplo, no mercado de trabalho, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada de 2016 (IPEA), mulheres brancas recebem 70% a mais que mulheres negras. Além disso, as mulheres representam 92% das pessoas ocupadas no trabalho doméstico no Brasil, das quais 65% são negras, mas recebem 20% a menos do que as não negras. Estes dados trazem à realidade as ilustrações dos livros didáticos. 

Vale ressaltar que após a abolição, o governo não planejou e nem promoveu a inserção social do negro, que permaneceu marginalizado. Beatriz Nascimento reitera que a escravização também estabeleceu o lugar da mulher negra na hierarquia social do país, através da dinâmica do sistema econômico pós-abolição. 

A professora Eunice Prudente, em coluna do Jornal USP, alerta que “é preciso estudos e pesquisas inter-relacionadas entre gênero, etnia e classe social, tendo em vista os índices da pobreza, como relatam os órgãos do governo, que mostrem a situação socioeconômica, a desigualdade social e a família negra. A mulher negra, na base dessa pirâmide, sofre uma tripla discriminação”. Tripla discriminação diz respeito ao fato de, neste cenário, a mulher negra ser: mulher, negra e podre. 

Representatividade e legado

A festa literária internacional de Paraty (FLIP), evento de manifestação cultural que organiza trocas através de mesas literárias, promovendo a construção de novas visões de mundo, prestou homenagem a Maria Firmina dos Reis durante a edição de 2022. 

Segundo texto publicado no site oficial do evento, “as personagens e narrativas memoráveis de Maria Firmina têm inspirado coletivos de leitura, professoras e autoras contemporâneas com sua linguagem, imagens e abordagens”.

Homenagens como essa são consequência da reflexão crítica sobre o mito da democracia racial, de políticas públicas que possibilitam a inserção de negros e indígenas nos centros de produção acadêmica e da utilização de literaturas negras como fonte de produção e ensino da História.  

Ademais, apesar do abordado contexto desafiador, a crescente no número de autoras negras no catálogo de grandes, médias e pequenas casas editoriais é uma realidade, mas por demanda vertical. 

As mídias sociais também se apresentam como fundamental na propagação de conteúdos independentes de mulheres negras e intelectuais, como Carla Akotirene, que além de pesquisadora extremamente relevante no movimento feminista interseccional, autora do livro Interseccionalidade, utiliza suas redes para escurecer fatos sobre temas diversos. 

Em virtude do movimento negro, vivemos um renascimento dos estudos sobre, e construído pelas, mulheres negas no Brasil. Também a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística colaborou, através da linha de pesquisa “Mulher e Literatura”, realizando importante resgate em torno das escritoras do século XIX. 

Zahidé Lupinacci ressalta que o crescimento de associações negras, organizações não-governamentais (ONG’s) e movimentos de resistência também deve ser considerado. 

Ainda sobre o tema, no livro A fina lâmina da palavra, Leda Martins acrescenta: 

A produção literária dos afrodescendentes encontra nas últimas décadas uma atenção mais singularizada por parte de escritores e críticos que buscam mapear uma tradição negra vernacular no âmbito da Literatura Brasileira, sublinhando o diverso leque de matizes e linhagens que traduzem a afrodescendência, caligrafada na e pela letra literária. A expansão do olhar sobre textos, autores, temas, situações e experiências, de certa forma até então exilados da reflexão crítica, dos meios e circuitos de veiculação e de reconhecimento, distende nossa cartografia literária e desafia as redes discursivas formadoras de juízo e de opinião (MARTINS, 2010).

Em conclusão, livros como o de Maria Firmina dos Reis foram resgatados e estudados como valiosos, pois são as primeiras manifestações de mulheres brasileiras. 

No prólogo da primeira edição publicada de Úrsula, a autora maranhense escreveu:

Sei que pouco vale este romance, porque escrito por uma mulher, e mulher brasileira, de educação acanhada e sem o trato e conversação dos homens ilustrados […] com uma instrução misérrima […] e pouco lida, o seu cabedal intelectual é quase nulo (ALMEIDA, 2004).

Firmina tinha nítida noção da importância da educação, vivências e oportunidades culturais, por isso teorizou e colocou em prática seus ideais, tornando-se inspiração às mulheres da atual geração. Seu legado é sinônimo de representatividade. Representatividade essa, determinante na formação de Conceição Evaristo, Cristiane Sobral, Jarid Arraes, Miriam Alves, Ana Maria Gonçalves, Cidinha da Silva e na ressurreição de tantas outras mulheres brasileiras enquanto protagonistas da História. 

Georgina de Albuquerque

“Mesmo em casa, sem sair da minha Taubaté, menina bem pequena, eu já ensaiava os meus riscos. Gizava, debuxava desenhos intonsos, fazia figuras. Minha mãe, que era um espírito muito inteligente e muito lúcido, cedo compreendeu o meu pendor pela pintura e, na proporção que as circunstâncias permitiam, tudo facilitava para seu desenvolvimento e perfeição.”

Georgina de Albuquerque

Em 1822, o Brasil comemorava a independência do Brasil. 100 anos depois Georgina criou a Sessão do Conselho de Estado, uma obra que retrata a Independência, ao mesmo tempo em que acentua a importância da mulher na sociedade. Em 1922, ano de criação da obra, ocorria também a Semana de Arte Moderna em São Paulo, e embora Georgina não estivesse participando do evento, a perspectiva de Georgina se alinhava ao pensamento moderno.

Após duzentos anos da Independência e cem anos da semana de 22, o Mulheres de Luta apresenta a trajetória da artista Georgina de Albuquerque e as repercussões de sua obra, a fim de refletirmos também sobre o Brasil de hoje.

A arte de Georgina de Albuquerque

Georgina Moura Andrade de Albuquerque nasceu em Taubaté no dia 4 de fevereiro de 1885 e faleceu em 29 de agosto de 1962 no Rio de Janeiro, aos 77 anos.

Desde criança já sentia que nasceu para pintar, enquanto crescia rodeada pelas “cenas pitorescas do viver brasileiro de então”, como ela mesma relatou. Nessa época, as estradas de ferro e as rodovias não existiam, então o que a inspirava a menina era o Sol, a terra florida e a vida campestre.

Foi na adolescência, aos 15 anos, que conheceu em sua cidade o pintor italiano Rosalino Santoro, que a pedido de sua mãe lhe ensinou as primeiras lições de pintura, tornando-se seu primeiro mestre.

Georgina Albuquerque realizou sua primeira exposição em 1903 na X Exposição Geral de Belas Artes. No ano seguinte, aos 19 anos, Georgina mudou-se para o Rio de Janeiro, onde ingressou na Escola Nacional de Belas Artes, tornando-se aluna do pintor Henrique Bernardelli. 

Na Escola de Belas Artes conheceu o pintor piauiense Lucílio de Albuquerque, com quem se casou em 1906. No mesmo ano, Georgina mudou-se para a França junto ao esposo que foi agraciado com a viagem devido a um prêmio que havia recebido no ano anterior. Em Paris, Georgina formou-se na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts, cujo principal mestre foi Paul Gervais, além de ter feito aulas na  Académie Julian com Henry Royer. Georgina e o marido ficaram por cinco anos na França e nessa época, a pintora foi influenciada pelas técnicas impressionistas

Após ter se destacado como a primeira mulher brasileira de sucesso nas rígidas avaliações da Escola de Artes Francesa, Georgina seguiu seu próprio caminho pintando muito e sempre frequentando museus, dividindo seu tempo entre a pintura e o cuidado com os filhos Dante e Flamingo.

Em uma época na qual a pintura academicista era destinada aos homens, Georgina firmou-se internacionalmente. 

Em 1919, Georgina Albuquerque recebeu a medalha de ouro na Exposição Geral de Belas-Artes, o que a fez ser convidada para ser júri de pintura em 1920, tornando-se a primeira mulher brasileira a ocupar esse posto. Isso a levou a ter uma posição elevada na academia.

A artista criava telas de natureza morta, nus artísticos, paisagens e cenas do cotidiano, além de ter sido pioneira na pintura histórica nacional. Com esse último tema Georgina rompeu com os padrões da época ao retratar uma mulher como protagonista de um momento histórico brasileiro na obra Sessão do Conselho de Estado.

Sessão do Conselho de Estado

Até 1922, ano da Semana de Arte Moderna, a pintura histórica brasileira era um ambiente ocupado apenas por homens, mas com a obra Sessão do Conselho de Estado, Georgina rompeu esse paradigma. Além disso, a tela foi a primeira a retratar uma mulher como protagonista em um evento histórico

O ano da pintura corresponde ao centenário da Independência do Brasil que já havia sido retratada em diversas obras como no famoso quadro “Independência ou Morte”, de Pedro Américo, feito sob encomenda em 1888 para o Museu do Ipiranga, em São Paulo.

Na obra de Georgina feita em óleo sobre tela, com 210 cm por 265 cm, a artista retrata o evento diplomático protagonizado por Maria Leopoldina. A pintora criou a tela para participar de um edital da Comissão Executiva do Centenário, Secção de Belas Artes, em comemoração aos 100 anos da Independência do Brasil, sendo exposta pela primeira vez na Exposição de Arte Contemporânea e Arte Retrospectiva do Centenário da Independência em 12 de novembro de 1922.

Para realizar a obra, Georgina recorreu aos documentos do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, buscando proximidade com a aparência física de Maria Leopoldina, em especial, utilizando como referência a obra realizada por Jean  Baptiste Debret publicada na Voyage Pitoresque et Historique au Brésil de 1836.

Gergina também retrata José Bonifácio de Andrada e Silva que está interagindo com Leopoldina, Martim Francisco Ribeiro de Andrada, que está sentado, Joaquim Gonçalves Ledo que está com as mãos na mesa. Atrás de Martim Francisco encontra-se José Clemente Pereira e atrás de José Bonifácio, estão Caetano Pinto de Miranda Montenegro, Manoel Antônio Farinha, Lucas José Obes e Luiz Pereira da Nóbrega.

A reunião ocorreu durante a ausência de Dom Pedro I que estava em viagem para São Paulo. Na ocasião, Leopoldina foi nomeada como chefe do Conselho de Estado e Princesa Regente Interina. Nesse momento, Leopoldina passa a ter poderes legais para governar o país. As ameaças de Portugal ainda eram intensas, então, Leopoldina aproveitou o momento. Em 2 de setembro de 1822 a princesa regente acionou o Conselho de Estado e redigiu uma carta a Dom Pedro I. Junto à carta, enviou outra mensagem redigida por José Bonifácio, além de comentários negativos de Portugal com relação à atuação do regente. Na carta, Leopoldina sugere que o marido proclame a Independência do Brasil, incluindo a conhecida  frase: 

“O pomo está maduro, colhei-o já, senão apodrece”.

As ações da então princesa Leopoldina estão diretamente ligadas à Independência proclamada por Dom Pedro I.

No mesmo ano em que Georgina Albuquerque expôs seu quadro, ocorreu a Semana de Arte Moderna em São Paulo. Embora Georgina fosse uma acadêmica, a pintora também estava sendo influenciada pelo modernismo.

A Sessão do Conselho de Estado foi descrita como uma obra ousada e contida ao mesmo tempo. “Contida”, porque apresenta um impressionismo acadêmico, com elementos convencionais da pintura histórica, “ousada” porque subverte as expectativas de um heroísmo masculino.

Dessa forma a obra une os dois aspectos em sua estilística: o academicismo e o modernismo.

A Semana de Arte Moderna ocorreu no Theatro Municipal de São Paulo entre 13 a 18 de fevereiro de 1922 trazendo diversas manifestações artísticas incluindo dança, música, poesia, pintura, escultura e palestra.

A proposta do evento era promover uma renovação da linguagem artística na busca pela experimentação e pela liberdade de criação, rompendo com padrões pré-estabelecidos do passado. Apenas três artistas mulheres participaram do evento: Anita Malfatti e Zina Aita com exposição de quadros, e Guiomar Novais tocando Chopin no piano. Vale lembrar que Tarsila do Amaral, grande nome do modernismo brasileiro, teria participado do evento, mas estava em Paris na ocasião.

Georgina Albuquerque e o feminismo de 1922

O ano de 1922 foi marcado também pela luta das mulheres. No Brasil, em 9 de agosto de 1922, foi fundada a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF) que lutava pelos direitos civis e políticos das mulheres, tendo como líder a bióloga e ativista feminista Bertha Lutz que também organizou o Primeiro Congresso Feminista no mesmo ano.

Independente da intenção da artísta, a obra de Georgina de Albuquerque apoiava a luta feminista de sua época. Ao retratar Leopoldina decidindo os rumos do país um século antes de sua obra, a artista acabou desafiando a predominância masculina no ambiente artístico acadêmico.

Referências

COSTA, Angyone. A Inquietação das abelhas. Rio de Janeiro : Pimenta de Mello & Cia. , 1927, p. 90-91.

Simioni, Ana Paula Cavalcanti. Entre convenções e discretas ousadias: Georgina de Albuquerque e a pintura histórica feminina no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais [online]. 2002, v. 17, n. 50, pp. 143-159. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/VynXp7ZkxLLm8jSKW6kXyWQ/abstract/?lang=pt#. Acesso em 12 de janeiro de 2022.

GEORGINA de Albuquerque. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2022. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa21325/georgina-de-albuquerque. Acesso em: 12 de janeiro de 2022.

FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção e organização). Georgina de Albuquerque – o impressionismo e suas derivações. Templo Cultural Delfos, junho/2013. Disponível no link http://www.elfikurten.com.br/2013/06/georgina-de-albuquerque-o.html. Acesso em: 12 de janeiro de 2022.

Mulheres de Luta

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