Numa época não tão distante, mais precisamente em 1928, Alzira Soriano se candidatou à prefeita de uma cidade pequena do sertão nordestino e venceu.
Sua eleição é um marco importante na história da emancipação política das mulheres, porque ocorreu quatro anos antes da aprovação do sufrágio feminino no Brasil, em 1932, com a promulgação do Código Eleitoral pelo presidente Getúlio Vargas.
Alzira Soriano fez um lindo discurso de posse, no dia 1o de janeiro de 1929:
“Determinaram acontecimentos sociais do nosso querido Rio Grande do Norte, na sua constante evolução da democracia, que a mulher, esta doce colaboradora do lar, se voltasse também para colaborar com outra feição na sua obra político-administrativa. De outro modo não poderia ser. As conquistas atuais, a evolução que ora se opera, abre uma clareira no convencionalismo, fazendo ressurgir nova faceta dos sagrados direitos da mulher. As conquistas atuais, a evolução que ora se opera, abrem uma clareira no convencionalismo, fazendo ressurgir a nova faceta dos sagrados direitos da mulher.”
Alzira Soriano
Alzira Soriano nasceu e cresceu em Jardim de Angicos, um distrito de Lajes, no Rio Grande do Norte. Filha de um influente líder político regional, casou-se aos 17 anos com o promotor de justiça pernambucano Thomaz Soriano, com quem teve quatro filhas.
Aos 22 anos, perdeu seu companheiro vítima da Gripe Espanhola, e, viúva, voltou a morar com seus pais na Fazenda Primavera, assumindo o comando da casa e da propriedade da família com mãos de ferro.
Com o apoio de Bertha Lutz, fundadora e coordenadora nacional da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), e do governador Juvenal Lamartine, candidatou-se à prefeitura de Lajes, em 1928, pelo Partido Republicano.
Apesar dos ataques misóginos que marcaram a campanha eleitoral, Alzira Soriano alcançou a incrível marca de 60% dos votos válidos, tornando-se a primeira prefeita mulher não só do Brasil como também da América Latina.
Seu adversário ficou tão constrangido que encerrou sua carreira política, vindo a abandonar a própria cidade.
O triunfo de Alzira Soriano foi citado até pelo jornal norte-americano The New York Times, na matéria “’Americanized’ Town Elects Brazil’s First Woman Mayor” [Cidade americanizada elege primeira prefeita mulher do Brasil], em 8 de setembro de 1928.
Durante o seu mandato, Alzira Soriano promoveu grandes transformações na cidade, investindo na construção de escolas e mercados públicos; em obras de infraestrutura, como estradas que conectavam a sede do município aos distritos; e em melhorar o abastecimento de iluminação pública a gás.
Alzira Soriano permaneceu no cargo de prefeita até a Revolução de 1930, que conduziu Getúlio Vargas ao poder Federal. Todos os prefeitos do país foram, então, substituídos por interventores e, apesar de ser convidada a permanecer governando a cidade, Alzira Soriano decidiu não aceitar acreditando se tratar de uma afronta à democracia.
Antes de deixar o cargo, Alzira Soriano visitou seus eleitores para agradecer o apoio recebido. Em seu percurso, foi confrontada por um de seus opositores que cantava versos ofensivos contra ela. Segundo relatos da época, “deu-lhe tanto na cara que acabou quebrando os óculos dele.”
Alzira Soriano se manteve politicamente atuante e, em 1945, com a redemocratização do país, candidatou-se a vereadora de Lajes pela União Democrática Nacional (UDN). Elegeu-se em mandatos sucessivos.
Em um país cujas instituições republicanas ainda engatinhavam, Alzira Soriano teve que enfrentar críticas e preconceitos durante toda sua caminhada pública, mas a competência e a destemida personalidade a fizeram notável em sua iluminada trajetória.
A eleição de Alzira Soriano em 1928 só foi possível graças à Lei Estadual 660, de 25 de outubro de 1927, que autorizava a participação das mulheres na política potiguar. O Artigo 77 das Disposições Gerais do Capítulo XII determinava que: “No Rio Grande do Norte poderão votar e ser votados, sem distinção de sexos, todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas por esta lei”.
A primeira eleitora brasileira habilitada com base no referido dispositivo legal foi a professora Celina Guimarães, de Mossoró, inserindo assim o município na vanguarda dos grandes e nobres cometimentos.
Em abril de 1928, nas eleições municipais, ocorreu a concretização do chamado “voto de saias”. Em Mossoró, além de Celina Guimarães, votaram Beatriz Leite e Eliza da Rocha Gurgel. Em Natal, votaram Antônia Fontoura, Carolina Wanderley, Júlia Barbosa e Lourdes Lamartine. Em Apodi, as primeiras eleitoras foram Maria Salomé Diógenes e Hilda Lopes de Oliveira. Em Pau dos Ferros, Carolina Fernandes Negreiros, Clotilde Ramalho, Francisca Dantas e Joana Cacilda Bessa. Ainda em Caicó e Acari, respectivamente, Júlia Medeiros e Martha Medeiros.
Além de votar, algumas mulheres, como Júlia Alves Barbosa, em Natal, e Joana Cacilda de Bessa, em Pau dos Ferros, elegeram-se para o cargo de intendente municipal, o que equivale ao cargo de vereador nos dias de hoje.
O pioneirismo do Rio Grande do Norte favoreceu a ampliação das reivindicações pelo direito de voto e elegibilidade às mulheres em outros estados da federação, o que viria a acontecer efetivamente em 24 de fevereiro de 1932, quando o voto feminino foi assegurado pelo Código Eleitoral que dizia, no artigo 2º, que: “é eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma deste Código”.
O decreto, no entanto, restringia o voto apenas às mulheres casadas, com autorização dos maridos, e às viúvas e solteiras com renda própria.
Em 1934, com a nova Constituição Federal, as limitações ao voto feminino foram reduzidas, sendo porém exigido que as eleitoras exercessem uma função pública remunerada.
O direito ao voto foi ampliado a todas as mulheres a partir da Constituição de 1946 que, em seu artigo 131, considerava como eleitores “os brasileiros maiores de 18 anos que se alistarem na forma da lei”. O voto secreto garantia o livre exercício desse direito pelas mulheres, sem a obrigação de prestar contas sobre seu voto aos maridos e pais.
No dia 9 de janeiro de 2015, a presidente Dilma Rousseff sancionou uma lei declarando o dia 24 de fevereiro como data comemorativa da conquista do voto feminino no país.
Em 2018, Alzira Soriano recebeu, como homenagem póstuma, o Diploma Mulher-Cidadã Carlota Pereira de Queirós, da Câmara dos Deputados. A homenagem, segundo a Câmara, “é concedida a mulheres que tenham contribuído para o pleno exercício da cidadania e para a defesa dos direitos da mulher e das questões de gênero no Brasil”.
O município de Lajes também dispõe de uma homenagem na Semana Alzira Soriano para mulheres de relevância para a sociedade e para a cultura da cidade. O evento foi estabelecido em 2008 e inclui palestras em escolas. Em 2018, Jardim de Angicos adotou como feriado municipal a data de nascimento de Alzira. Lá também há um museu em sua homenagem, e ela foi representada no brasão e bandeira municipais.
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