As festas juninas ao longo dos séculos

“O São João é uma festa completa. Ele não é uma festa como o carnaval. No Carnaval você vai, você dança, você se diverte e acabou. O São João tem todo um conjunto de símbolos ali dentro (…) que é a comida típica, a comida de milho, as bandeirinhas, as quadrilhas, o forró, o vestir, as brincadeiras.”

Assim observa Zulmira Nóbrega, doutora em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia, em entrevista ao Mulheres de Luta.

Zulmira Nóbrega também reforça a questão dos hibridismos nas festas tradicionais, salientando que não existe algo totalmente puro e genuíno, que seja apenas de uma única localidade, país, ou grupo de pessoas. Zulmira Nóbrega reforça que para haver cultura, deve haver mistura.

Na entrevista, a doutora aborda diversos assuntos, entre eles a relação das comidas nas festas de São João, especialmente quanto a presença do milho, alimento tradicional das festividades juninas brasileiras.

O milho, que está cada vez menos presente nas Festas de São João, tem seu espaço ocupado pela pizza italiana ou pelo yakisoba chinês, trazendo para a discussão uma reflexão sobre os caminhos da modernidade, e seu impacto nas festividades tradicionais.

Transcrição da entrevista:

Vamos começar com a questão do hibridismo, a questão das comidas. O São João é uma festa, mas ela é uma festa completa, ele não é uma festa como o carnaval, o carnaval você vai, você dança, você se diverte e acabou. 

O São João, ele tem todo um conjunto de símbolos ali dentro que perpassam, que é a comida típica, a comida de milho, as bandeirinhas, que são as quadrilhas, que é o forró, que é o vestir, são as brincadeiras que também são categorizadas, vamos pensar assim.

O que eu penso especialmente sobre o hibridismo, que são necessários, que é a forma que eu percebo a identidade é uma identidade híbrida, não existe algo que seja puro e genuíno de uma só localidade, de país, ou de pessoa, elas se misturam, se mistura porque só há cultura quando há essa mistura, essa troca de cultura.

Por exemplo, com relação à comida de milho, as pessoas chegam no parque, “aqui não é mais um São João como era”, como é que você não vê a questão de vender pamonha, no parque não tem comida de milho, as pessoas, é uma crítica que se faz muito à questão do parque do povo não ter comida de milho.

Mas assim eu percebo comida de milho ou pamonha, ela não é na verdade um acompanhamento de bebidas alcoólicas, que é o que acontece a partir das 10 horas quando o parque é aberto, oito, dez horas, ninguém vai tirar como tira gosto, por exemplo, uma pamonha ou uma espiga de milho. 

Aí as pessoas reclamam, por exemplo, aí a questão do globalismo, que você tem pizza que é italiana, você tem o crepe francês, você tem yakisoba chinês e você quase não tem comida de milho, então quando a gente diz assim: eles se misturam ali no parque do povo.

Desse hibridismo que eu falo das questões que uma coisa para existir não elimina a outra, elimina a modernidade e a modernidade vai tá eliminando a tradição, que elas correm por caminhos diferentes, alguns momentos elas se cruzam.

A gente pensa muito como ali na teoria crítica, com o Adorno, Horkheimer, eles denunciavam muito a indústrias culturais, eles denunciavam que as culturas elas estavam sendo industrializadas, o momento que está nascendo o rádio, cinema e eles denunciam essa questão dessa massificação da cultura.

Agora tomando aqui já para o final do século, a gente já tem uma questão que pode ser o oposto disso, que é a gente denunciar, ou pensar, ou desenvolver esforços para compreender este fenômeno, em que há um outro fenômeno que é o oponente a isso e junto com isso, que é a mercantilização da cultura, é a culturalização do mercado. 

Hoje pra você sobreviver ao mercado, ou ser é parte da economia, é a questão da culturalização, então assim, é por isso que você vai ver muitos produtos querendo agregar à sua marca, ao São João, as festividades e isso está acontecendo o tempo todo, é o valor, valor cultural que tem aquele serviço, aquela peça, é ele que vai estar definindo.

A gente tem que compreender mais essa mistura entre mercado, entre política e entre economia, porque eles vão se cruzar, entre a comunicação. Hoje nós vivemos numa sociedade absolutamente mediatizada, que pressupõe que os políticos eles são mediatizados, a economia de certa forma e vai estar trazendo consigo esse componente emotivo lúdico.

Essa participação que a gente poderia até pensar que seja uma participação, se a gente for descuidado, a gente pode até atribuir isso para o pensamento do pão e circo, que não é só isso, é a questão do populismo político que aproxima as pessoas, que aproximam os seus gestores, que é muito mais do que isso, mas está dentro disso. 

As festas juninas, ao longo de séculos, é uma tarefa bem difícil a gente responder essa questão de forma definitiva. Eu penso como o maravilhoso Canclini, que lembra das dificuldades da gente realizar uma investigação pensando que existe um fio condutor lá atrás que deu origem e vai dar sentido a todo esse processo que a gente viveu.

Que lembra muito das dificuldades que a gente tem, que Hobsbawm vai falar sobre a invenção das tradições, que muitas tradições que hoje a gente conhece como tradições, muitas vezes foram inventadas, foram inventadas para impor um poder. 

A minha ideia, como a de Canclini, entender o agora, no contemporâneo essa cultura, saber como elas chegaram até aqui hoje e conseguiram sobreviver, permanecer atentas e fortes, porque se a gente fosse se deparar, muitas vezes eu sou procurada em épocas de São João para poder pensar nos sentidos de o que significa a fogueira de São João, o que significa a bandeirinha de São João. 

Ora, esse sentido ele existe, a gente pode até costurar e a gente tem algumas pessoas que se dedicam a responder sobre isso, eu até posso compreender, porque na minha tese eu não trabalho de uma forma assim diacrônica, de saber, estudar todo aquele trajetória, não é uma tese histórica.

Mas a gente compreende que essas festas do São João de Campina Grande, as festas do São João, elas são festas que eram pagãs, que ela no hemisfério norte são festas muito desejadas, porque é a festa do solstício de verão para eles, que a abertura, imagine você morar numa cidade, ou num lugar que o tempo todo está abaixo de zero e de repente o sol começa a aparecer, as pessoas vão ficar encantadas.

Então é muito dentro dessa perspectiva. Então esses São João, ele era festejado com muito entusiasmo, na verdade não era o São João, mas é São João posteriormente quando a igreja católica se apropria da simbologia pagã, contudo, a igreja, que possuía um grande poder durante a idade medieval, ela optou de fazer esse paralelo, justamente trazer para si a população.

O São João como era muito festejado, também no Brasil, ele passa a ser mais festejado ainda, porque tem uma identificação com as festas trazidas pelos europeus para cá. O acendimento da fogueira que também já era uma simbologia para os índios nas aldeias, no Brasil provavelmente as fogueiras e as tochas acesas elas simbolizou muitas coisas para isso.