Autoria Feminina – Literatura, Substantivo Feminino

No último episódio da série “Literatura, Substantivo Feminino”, as escritoras falam sobre a “Autoria Feminina”

Anélia Pietrani, Nélida Piñon, Meimei Bastos, Miriam Alves, Cristiane Sobral, Cidinha da Silva, Ana Maria Machado, Beatriz Bracher, Susana Fuentes, Lúcia Bettencourt, Regina Dalcastagnè e Heloísa Buarque de Hollanda participaram deste episódio.

Sabemos que as mulheres foram excluídas por muito tempo do ambiente literário, embora fossem retratadas em personagens escritos por homens, na grande maioria das vezes.

Muitas dessas personagens femininas da literatura reforçam estereótipos de uma sociedade patriarcal. Exibem a mulher submissa e obediente. Quando a mulher é fora do padrão, era comum que essa mulher fosse criticada e até punida.

A situação mudou bastante e continua se alterando, mas ainda vivemos as consequências desse silenciamento. As grandes editoras, por exemplo, publicam muito mais homens do que mulheres. 

Quando essas autoras falam sobre a literatura, enfatizando a escrita feminina, a proposta não é a de adjetivar a literatura produzida pelas mulheres, mas de reforçar a sua importância e fortalecer sua voz.

Mas, existe alguma característica específica da literatura de autoria feminina?

Para saber essa resposta acompanhe esse artigo e assista ao décimo terceiro e último episódio “Autoria Feminina” da série “Literatuta – Substantivo Feminino”.

Saiba onde assistir à série!

O que é uma autoria feminina?

“Dizem que mulheres escrevem de um jeito, homem escreve de outro, mas é impossível definir essa marca. A não ser por uma questão cultural, realmente, creio que a gente cairia numa aporia se mantivermos essa discussão.”

Anélia Pietrani

Anélia Pietrani comenta que há uma escrita de autoria feminina, mas que não existe um formato ou característica específica que defina o que é uma literatura feminina ou uma masculina.

Nélida Piñon pensa em uma escrita que abarca todas as instâncias do ser humano.

“Uma escrita que só enfatiza e zela pela figura da mulher, é uma escrita precária, ela é interessante no primeiro segundo do livro, mas ela não pode ficar escrevendo para a metade da humanidade, ela deve escrever, ao meu juízo, para essa humanidade perplexa difícil de ser aprendida e ser classificada, esse é o grande desafio.”

Nélida Piñon

Meimei Bastos até brinca com os clichês atribuídos ao feminino, como se o feminino não fosse também o oposto do que é retratado.

“Ai a mulher tem uma escrita mais delicada, uma temática mais sutil, chega a ser perfumado só de pensar nisso eu já penso em perfume, essa coisa melosa, não, eu não vejo assim, porque eu percebo a força, a presença da força na escrita feminina.”

Meimei Bastos

Mesmo que não haja um repertório de características próprias da escrita feminina, de alguma forma, as escritoras percebem quando se trata de uma escrita de autoria feminina, mas por uma perspectiva social.

Miriam Alves fala sobre a importância de se fugir das concepções pré-estabelecidas sobre o feminino, concepções quase sempre machistas.

“O gênero sim influencia na escrita, mas não por aquelas concepções machistas aprendidas que nós somos mais sensíveis que os homens, eu acho que definir por aí é ruim. Todo mundo tem tudo, é bruto, é sensível, porque está tudo aqui.”

 Miriam Alves

Para Regina Dalcastagnè, não existe uma diferença na escrita de um homem ou de uma mulher, mas existe sim uma “autoria feminina”. Nesse ponto, ela reforça o comentário de Miriam Alves, reforçando a importância da perspectiva social para essa compreensão.

“A diferença para mim reside exatamente aí, no que se escolhe como assunto, no que se escolhe dizer, no que se ver no mundo e que se julga importante trazer para dentro do texto literário, o mundo que se reconstrói a partir dos seus conhecimentos, dos seus lugares de fala e da sua perspectiva social aí reside a grande diferença.”

Regina Dalcastagnè

Para Regina, um homem pode escrever e construir uma personagem feminina, mas ele não passou pela experiência de ser mulher.

“Eu particularmente não trabalho com essa diferenciação, eu acho que há temas que são mais trabalhados por escritoras, mas não necessariamente que tem um tipo de texto especificamente masculino ou feminino, eu prefiro trabalhar literatura de autoria feminina, literatura de autoria masculina, mas sempre pensar isso com aspas.”

Virgínia Vasconcelos

Virgínia Vasconcelos não diferencia o que são temas da literatura feminina e da masculina, assim como Ana Maria Machado que não percebe essa diferenciação.

“Eu não conseguiria ler um bom livro e dizer se ele foi escrito por um homem ou por uma mulher. Eu acho que tem temáticas que talvez um ou outro tenha mais sensibilidade para desenvolver por uma questão de experiência, mas lendo sem saber quem escreveu eu acho que não conseguiria identificar.”

Ana Maria Machado

A escritora Beatriz Bracher também não diferencia a escrita das mulheres da escrita de um homem.

“Nunca ninguém conseguiu me dizer quais as características da literatura feminina, a não ser que é escrita pelas mulheres, mas qual a característica de estilo, de assunto, tudo que me falam eu encontro em livros escritos por homens também.”

Beatriz Bracher

Para Natália Borges Polesso, a primeira reflexão é sobre o que se considera feminino e masculino, e o porquê de ser feita essa diferenciação.

‘A voz masculina da literatura é a predominante, você tem uma mesa com vozes femininas para fazer um furo, um contraponto, um contraponto de uma coisa que é padrão e que não deveria ser, mas aí a gente entra em toda uma questão de sistema literário.”

Natália Borges Polesso

Mulheres Negras na Literatura

“Existe sim uma escrita feminina, agora existir como mulher e existir como mulher negra nesse país é que é uma grande questão.”

Cristiane Sobral

Cristiane Sobral fala sobre a importância das mulheres negras na literatura. A ocupação desse espaço é também relevante para que haja espaço para a perspectiva da mulher negra sobre sua história.

Nossa sociedade ainda conserva estereótipos e a força do machismo ainda é forte em nosso país. Além disso, o racismo também se instaura nesses espaços de poder. Quando se trata da mulher negra, portanto, temos as questões de raça e gênero, ao mesmo tempo.

“Então com todas essas informações a gente percebe que não só existe uma escrita feminina, como essa escrita feminina é urgente, no sentido de poder apresentar o testemunho dessas outras vozes femininas e negras para que elas recheiem mais essa concepção histórica com outros contornos.”

Cristiane Sobral

Cristiane Sobral ainda reforça:

“Posso estar falando de uma mulata do carnaval, mas é diferente quando um homem branco conta a história dessa mulher e quando uma mulher negra escritora se coloca para fazer a construção da personagem. Então uma autora negra que se assume como mulher, se assume como negra e resolve contar suas histórias a partir desses lugares constitui sim uma escrita feminina.”

Cristiane Sobral

“Eu acredito e postulo uma literatura feita pela mulher negra que eu sou e essa mulher negra, com todos os pertencimentos que eu tenho, imprime certas características no meu texto. Então eu fico muito mais confortável ao pensar nas características dos textos, de modo geral, escrito por mulheres, diferentes mulheres, mulheres com diferentes vozes e no meu caso, em especial, um texto escrito pela mulher negra que eu sou.”

Cidinha da Silva

Cidinha da Silva, ao reforçar uma literatura feminina, salienta a importância de se posicionar como uma mulher negra. Trata-se sobretudo de um posicionamento político.

Como é a Autoria Feminina?

“Quando você está no lugar daquele que não tem voz, como as mulheres por tanto tempo ficaram silenciadas, ou agindo, mas sem serem reconhecidas, eu acho que isso te provoca um pensamento a mais, desse lugar de desconforto. Então há uma sensibilidade sim, do feminino, que pode também estar num texto de um autor.”

Susana Fuentes

Susana Fuentes observa que é possível encontrar personagens femininas bem construídas, complexas e fora do clichê, em obras de autores homens.

Lúcia Bettencourt, inclusive, cita Madame Bovary,  personagem que foi escrita por um homem, mas que traz uma personagem interessante, grandiosa e complexa.

“Eu vejo alguém que tentou entender como era miserável a vida das mulheres naquele século XIX, como elas estavam sendo sufocadas e como a saída delas era uma saída trágica.”

Lúcia Bettencourt

Para Lúcia Bettencourt, quando um autor ou autora mergulha nessa pesquisa e consegue trazer esses detalhes na narrativa e na construção das personagens, não importa se foi um homem ou uma mulher quem escreveu.

Susana Fuentes também falou sobre seu livro “Luzia”. A escritora sentia a necessidade de dar corpo à personagem, literalmente. O corpo de Luzia foi fragmentado devido aos traumas que sofria desde a infância, incluindo o estupro. Na jornada dessa escrita, Susana Fuentes leva a personagem à recomposição de seu corpo e para isso, visitou a história de outras mulheres. 

“E em Luzia, foi o momento que eu estava tão atenta a todas essas outras mulheres, eu conversava, eu lia quais são os diferentes graus de violência, esse corpo da mulher, esse ser, esse sujeito está exposto. Essa do estupro é violência máxima, mas existem várias outras (…) e surgiu com uma necessidade de me colocar, eu autora, como mulher também.”

Susana Fuentes                

Para Heloísa Buarque de Hollanda, a autoria feminina tem contribuído para o surgimento de um novo estilo.

“Porque estão inventando um modelo de falar também, principalmente essas (escritoras)  mais novas. Você tem escritoras agora muito inquietantes, muito interessantes e novas, estão sendo publicadas bastante.”

Heloísa Buarque de Hollanda

Confira “Autoria Feminina”, o décimo segundo episódio da série “Literatura, Substantivo Feminino”.