Bertha Lutz e a conquista do voto

Cientista e política brasileira, Bertha Lutz dedicou sua vida às causas feministas

Há cerca de noventa anos, em 3 de maio de 1933, as mulheres puderam votar e se candidatar a cargos políticos pela primeira vez no Brasil. Esta conquista envolveu a luta de heroínas como Bertha Lutz.

Nascida em São Paulo, no final do século XIX, filha da enfermeira inglesa Amy Fowler e do cientista brasileiro Adolpho Lutz, um dos primeiros a estudar as doenças tropicais, Bertha Lutz sempre acreditou que mulheres tinham uma força gigantesca para fazer diferença no mundo.

Menina prodígio, cursou o ensino médio no interior da Inglaterra. Depois, graduou-se em Ciências Naturais na Universidade Sorbonne, em Paris, especializando-se em anfíbios anuros, o que inclui sapos, pererecas e rãs. Nessa época, conheceu o movimento das sufragistas na Europa.

Ao retornar ao Brasil, em 1918, Bertha Lutz iniciou aqui uma grande luta pelos direitos políticos das mulheres brasileiras. Até então, elas não podiam votar nem se divorciar.

Nas palavras de Bertha Lutz: “A mulher é metade da população, a metade menos favorecida. Seu labor no lar incessante e anônimo; seu trabalho profissional é pobremente remunerado, e as mais das vezes o seu talento é frustrado, quanto às oportunidades de desenvolvimento e expansão. É justo, pois, que nomes femininos sejam incluídos nas cédulas dos partidos e sejam sufragados pelo voto popular”.

A imprensa foi utilizada por Bertha Lutz para falar sobre igualdade humana. Ela conquistou seguidoras escrevendo, por exemplo, na coluna “Cartas de Mulher”, que saía na Revista da Semana, editada pela Companhia Editorial Americana. Em seus textos, citava mulheres da Europa que faziam parte do governo e convidava os brasileiros a se revoltarem com o machismo e patriarcalismo da sociedade.

Em 1912, foi aprovada em primeiro lugar no concurso para bióloga do Museu Nacional, tornando-se a segunda brasileira a fazer parte do serviço público no país. Destacou-se como pesquisadora, vale ressaltar, numa época em que não era comum a presença de mulheres na ciência. Sua trajetória criou oportunidades para que outras mulheres ascendessem.

Além disso, no ano de 1919, Bertha Lutz e algumas companheiras fundaram a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher. Este grupo tinha como objetivo reunir esforços para que os direitos da mulher fossem reconhecidos, principalmente o direito ao voto, o direito à participação na vida pública, a salários iguais aos dos homens, à inclusão da mulher no serviço de proteção aos trabalhadores, à Educação, entre outros.

Bertha Lutz sabia que se mais pessoas se juntassem ao grupo, ele se tornaria mais forte. Ela dizia: “As mulheres vivem dispersas. É necessário associá-las. Divididas, são fraquezas. Juntas, serão uma força.”.

Com isso, apareceram mulheres de todos os tipos querendo se juntar ao grupo: professoras, que sabiam como a educação era importante para o país; engenheiras e arquitetas, que faziam planos para construção de todos os tipos, inclusive de casas e prédios; advogadas, que cuidavam das leis e sabiam dos direitos e deveres de todas e todos nós… Elas formaram uma equipe forte e pronta para tornar todos esses sonhos possíveis.

Em 1922, Bertha Lutz representou as mulheres brasileiras na assembleia-geral da Liga das Mulheres Eleitoras, nos Estados Unidos, onde foi eleita vice-presidente da Sociedade Pan-Americana. Durante a viagem, iniciou uma amizade com Carrie Chapman Catt — uma das maiores líderes do movimento feminista internacional. Em seu retorno ao Brasil, Lutz fundou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF).

Ainda no ano de 1922, ela participou do Congresso de Educação como delegada do Museu Nacional e, assim, garantiu que meninas ingressassem no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, uma das escolas mais tradicionais do país. Ela também participou da organização do Primeiro Congresso Internacional Feminista, que aconteceu nos salões do Automóvel Club no Rio de Janeiro, evento que contou com a presença de Carrie.

Um ano depois, em 1923, Bertha Lutz participou do Congresso Feminista de Roma e viajou à Bélgica para estudar os tipos de escola de economia doméstica voltados para a área agrícola. Em 1924, o Jornal do Brasil noticiou a visita ao Rio de Janeiro do Dr. Paul de Vuyst, diretor geral do Ministério de Agricultura da Bélgica, como convidado de Bertha Lutz. Naquele mesmo ano, a pesquisadora ajudou na criação da Associação Brasileira de Educação.

Bertha Lutz, então, retornou aos Estados Unidos em 1925 para participar da Conferência Interamericana de Mulheres, que ocorreu em Washington. No ano seguinte, recepcionou no Brasil a física polonesa Marie Curie, um dos maiores nomes da ciência mundial, sendo sobretudo pioneira entre as mulheres cientistas.

No ano de 1929, Bertha Lutz participou da Conferência Internacional da Mulher, na cidade de Berlim, e, quando de volta ao Rio de Janeiro, criou a União Universitária Feminina, que congregava mulheres com ensino superior em prol da defesa dos direitos femininos.

Em 1932, criou a Liga Eleitoral Independente e, no ano seguinte, a União Profissional Feminina e a União das Funcionárias Públicas. Ainda em 1933, formou-se na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro com a tese A nacionalidade da mulher casada, que tratava da perda do direito à cidadania que a mulher experimentava ao se casar com um estrangeiro.

Já em 1933, ela se candidatou a uma vaga na Assembleia Nacional Constituinte de 1934, pelo Partido Autonomista do Distrito Federal. A ativista representou a Liga Eleitoral Independente, que estava relacionada ao movimento feminista. Apesar de ter conquistado muitos votos, não foi eleita. Ainda assim, acompanhou as discussões da Assembleia, após convite da deputada paulista Carlota Pereira de Queirós.

Na eleição do ano seguinte, Bertha Lutz se candidatou novamente e foi eleita como suplente do deputado Cândido Pessoa, que faleceu em julho de 1936. Ao tomar posse como deputada federal, Bertha Lutz discursou:

“O lar é a base da sociedade, e a mulher estará sempre integrada ao lar; mas o lar não cabe mais no espaço de quatro muros — o lar também é a escola, a fábrica, a oficina. É, acima de tudo, onde se votam as leis que regem a família e a sociedade humana.”

Como deputada federal, ela buscou a aplicação de mudanças nas leis sobre o trabalho das mulheres e dos menores de idade. Naquela época, Bertha Lutz já falava em igualdade salarial, licença de três meses para mulheres grávidas e redução da jornada de trabalho, que era de 13 horas por dia.

Em 1937, com o golpe do Estado Novo, o Congresso Nacional foi fechado. Em 1945, participou da Conferência de São Francisco e foi responsável pela inserção de um trecho no preâmbulo da Carta da ONU: “Nós, os povos das Nações Unidas, resolvidos a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres”. Lá, também recebeu o título de doutor honoris causa pelo Mills College e desempenhou um papel importante para ressaltar os direitos das mulheres em um ambiente pouco representativo: 850 delegados, 50 países e apenas seis mulheres.

Ela continuou a trabalhar em órgãos públicos até se aposentar, em 1965. Em 1975, participou como representante do Brasil na Conferência do Ano Internacional da Mulher, feita pelas Nações Unidas, na cidade do México.

Em 2017, seu sobrenome foi homenageado na escolha do nome de uma espécie de perereca, a Aplastodiscus lutzorum, e em 2020 seu nome foi escolhido para uma nova espécie de raia, chamada Hypanus berthalutzea.



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