Você sabia que o nosso arroz, ainda que venha, também, dos portugueses, chega em Portugal via África?
Transcrição da entrevista de Lourence Cristine Alves, professora de História e Antropologia, Nutrição e Gastronomia, concedida ao Mulheres de Luta.
O arroz, na verdade, ele é uma inquietação muito grande, porque o arroz com feijão é a base da nossa comida e forma uma proteína completa. A lisina e a miosina formam uma proteína completa, então, é muito importante!
Sempre ouvi no curso de gastronomia que o arroz era uma contribuição europeia, que os portugueses introduzem a cultura do arroz aqui. Reproduzia isso com uma pulga atrás da orelha, um desconfiar.
Uma vez ouvi um ativista e pesquisador de Guiné Bissau, chamado Miguel de Barros, falando sobre a cultura do arroz em Bissau.
Comecei a refletir sobre os caminhos desse arroz e, também, a partir da ideia de que o arroz é muito importante nas culturas do sul dos Estados Unidos, está presente em muitas preparações.
A partir daí comecei a pensar que o nosso arroz, ainda que venha, também, dos portugueses, chega em Portugal via África.
Uma coisa que não é muito dita, é a importância da ocupação negra a partir dos mouros da Península Ibérica, em Portugal e Espanha.
Inclusive, tem algumas correntes mais xenófobas europeias que não consideram portugueses e espanhóis como brancos por conta dessa ocupação moura. Que vai estar presente na arquitetura andaluza e em algumas técnicas.
A própria salga do bacalhau é uma prática que era feita desde o Egito, e vai ser introduzida na Europa a partir dessa ocupação moura, muçulmana. Durou muitos anos e chega ao fim no final da Idade Média, a partir das guerras católicas de reconquista, para reocupar, via catolicismo, esses territórios da Península Ibérica.

Muito daquilo que vem de Portugal e Espanha é um processo que vai de África para Portugal e depois para o Brasil. Mas só recebemos como sendo europeu.
O arroz não é, originalmente, europeu. Também entra na Itália via essa influência moura, essa ligação com o Oriente, que já havia uma relação bem mais antiga com o sudeste asiático. Vemos os caminhos que esse arroz percorre até chegar aqui.
Além disso, temos arroz nativo na américa. O arroz vermelho é nativo de alguns povos pindorâmicos, principalmente, próximos ao nosso litoral. Encontramos em diversos lugares.
Recentemente, aqui no Rio, tem uma loja que vende grãos e cereais, eles fizeram uma propaganda super interessante do arroz vermelho. Falando que antes dos invasores portugueses, coloca até os portugueses como invasores, chegarem no Brasil, já tínhamos produção de arroz. É importante resgatar isso.
Tem um restaurante no Ceará, chamado O Mar Menino, que ressignifica um termo chamado DOC – Denominação de Origem Controlada, que é um selo que determinados produtos ganham a partir do reconhecimento da sua territorialidade. Isso tem muito na Europa, principalmente, na França.
Eles ressignificaram a sigla DOC para Denominação de Origem Cearense, trazem elementos tradicionais do Ceará para o restaurante. Então, o risoto do O Mar Menino é feito com arroz vermelho, nativo de uma comunidade indigena que fica próxima ao restaurante.
Esse processo de resgate é importante. Entendermos os caminhos de alguns ingredientes e mudarmos, um pouco, nosso olhar.
Para entender que a nossa gastronomia não precisa estar só super valorizando aquilo que vem da Europa, porque temos uma constituição muito múltipla, e o arroz é muito esse elemento.
Uma das pesquisas que faço é de entender os caminhos de alguns ingredientes, um deles é o arroz.
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