Consequências nutritivas e socias da altado arroz

Você já parou para pensar sobre a necessidade de um olhar sistêmico sobre a alimentação, considerando produção, distribuição, processamento, acesso, consumo e até o descarte?

Lourence Cristine Alves propõe uma análise sobre todos esses elementos da cadeia.

Transcrição da entrevista de Lourence Cristine Alves, professora de História e Antropologia, Nutrição e Gastronomia, concedida ao Mulheres de Luta.

O arroz acaba sendo muito usual. Houve um incentivo, a partir da produção, para que o arroz fosse incorporado na nossa base de alimentação.

Ele está presente desde muito tempo com diversas variações. Seja salgado, que é o que mais consumimos, essa mistura de arroz com feijão, assim como a variação do arroz doce. A base de farinha que vem do arroz, também conseguimos fazer mingaus e papas.

Então, ele é um cereal muito versátil, conseguimos trabalhar com as sobras do arroz, e é nutricionalmente completo. Combinado com o feijão ou com algumas oleaginosas, você tem a formação de proteína completa que só teria numa carne, por exemplo.

Quem não come carne, por exemplo, e faz uma opção pelo vegetarianismo, essa combinação do arroz com feijão ou do arroz com alguma outra oleaginosa é bem importante e complementa a dieta.

Não dá para pensarmos no arroz só nessa dimensão do macronutriente, enquanto carboidrato. A substituição pelo macarrão, talvez, estaria associado a isso.

Vai tirar o arroz e colocar outro tubérculo, uma batata ou um macarrão, isso é só no sentido do valor da energia que o carboidrato nos traz, mas como estamos falando de proteína, o arroz é aquele que permite essa combinação.

Talvez, se conseguíssemos substituir o arroz por quinoa, mas é tão cara quanto o arroz. Então, não resolveu o problema.

Não é simples trazer uma substituição, porque estamos falando de um ingrediente que faz parte da dieta básica brasileira há muito tempo, está enraizado no nosso hábito alimentar comer arroz com feijão.

Além disso é a combinação que garante uma segurança alimentar e nutricional para uma população que, se formos olhar para o macro do Brasil temos mais de 10 bilhões de pessoas, está aumentando, não só voltamos para o mapa da fome como estamos aumentando o número de pessoas que sofrem com a fome.

Essa alta do arroz tem um impacto muito sério e grave para a maior parte da população. Estamos num cenário de pandemia em que muitas crianças não estão indo a escola, muitas vezes a escola, a merenda é uma das principais fontes de alimentação dessas crianças.

Não ter arroz com feijão, não ter a garantia desses alimentos na mesa, é um risco enorme para seguranca alimentar e nutricional de muitos brasileiros. Então, é muito sério!

Diferente, por exemplo, do que aconteceu com o tomate, na época da alta do tomate, essa alta do arroz tem um impacto muito mais grave, por ele fazer parte dessa base de alimentação.

Precisamos entender que a alta do arroz está associada a uma questão de safra, mas, também, a um modelo de agronegócio que opta por lucrar mais exportando que mantendo esse arroz dentro do nosso território.

Por um modelo de distribuição rodoviária pautada, também, nesses grandes produtores. Não permitem que as produções dos pequenos, dos assentamentos ligados ao MST, que estão destinando toda a sua produção de arroz para o consumo nacional e não exportam esse arroz.

Fazer com que isso chegue até a mesa do brasileiro e consigamos equilibrar o custo, também, passa pela opção logística, da distribuição rodoviária que aumenta os custos.

Precisamos aproveitar esse momento do arroz para repensarmos uma série de estruturas que fazem parte da alimentação. As vezes olhamos para a alimentação só para o consumo, só o comer.

O que costumo falar para meus alunos de nutrição, sou um elemento de humanas na nutrição, dou uma disciplina chamada História e Antropologia na Nutrição.

Chamo a atenção para o olhar sistêmico da alimentação, precisamos pensar como um sistema, como uma cadeia que está conectada a produção, distribuição, processamento, acesso, o consumo e as informações em torno disso, até o descarte. Precisamos olhar para todos esses elementos da cadeia.

Então, pensar a alta do arroz nesse momento poderia ou deveria ser uma oportunidade de reflexão, uma proposta de mudança.

Mas quando temos uma estrutura de poder federal que menciona a substituição pelo macarrão, identificamos um desconhecimento absurdo, uma desconsideração dos hábitos alimentares brasileiros e uma falta de compromisso de aproveitar um problema e analisá-lo no sentido de propor mudanças, para que isso não venha acontecer no futuro.

Infelizmente, é o que deveria acontecer, mas não está acontecendo.