A literatura exercita nossa imaginação e amplia nossas perspectivas, capacitando-nos a construir a nossa realidade.
Com as meninas, as histórias que trazem protagonistas femininas reforçam uma perspectiva que deve ser estimulada na literatura.
É importante resgatarmos a tradição oral dos povos indígenas e africanos, bem como os saberes contemporâneos da mulher em sua diversidade, não apenas para ampliar nossas perspectivas, como para promover a igualdade que tanto almejamos.
São esses olhares que ajudam a construir uma realidade mais justa de ser vivida.
Para entendermos esses olhares, convidamos a escritora brasileira Heloísa Pires Lima para um encontro no dia 13 de outubro. Confira!
Transcrição do vídeo
A gente adora escutar histórias, né? Então vamos pensar: a história voltada para menina pequenininha que depois vai crescendo, se tornando uma mulher… A literatura é um cantinho para você elaborar emoções, sentimentos.
A boa literatura é a que melhor faz isso, então é esse cantinho de elaboração do coração assim do emocional que é o ponto forte da literatura.
A gente junta essa primeira camada de percepção sobre o literário com as questões sociais, então a gente sabe que as infâncias não são as mesmas.
Um ponto que tem dado uma conversa boa nas últimas décadas é exatamente a gente perceber que o acervo de livros disponibilizados para a infância era muito unilateral, só tem um ponto de vista europeu maravilhoso- nada contra. O ponto é que ele não pode ser absoluto.
Você tem o tempo todo que estar ampliando a percepção para enxergar o planeta como um todo, por isso que eu brinquei que o terceiro chão foram os continentes, os seis continentes nessa convenção que nós temos até hoje e conhecer esses mundos porque um dos desafios de ser menina hoje em dia é você não estar em um lugar só, você está em um planeta. Essa geração está lidando mais do que nunca com isso. A velocidade de informação leva muito mais a perceber o planeta como um todo. Tanto que as questões circulam- as mesmas questões circulam em diferentes lugares.
E dentro da questão social, especificamente a racial, então personagens negros têm uma história dentro da história da literatura. Então quando se percebia que só existia a origem europeia nos acervos, quando você conta uma história bonita o tempo todo, os personagens são de origem europeia e uma criança negra recebendo esse material? Esse material é muito legal, mas é preciso ter contrapontos, então a ideia de produzir, hoje já tem bem mais ampliado o acesso à produção de livros para população negra que é uma história muito particular, tem mais ainda é muito pouco e que é diversificar.
E dentro da outra questão, a “bibliodiversidade” que é um conceito muito preciso de quem pensa a área, não como um mercado.
Na verdade você tem que olhar o literário como expressão cultural, só que hoje em dia quando você tem um mundo tão globalizado em que o Marketing invade os teus desejos e impõe a compra dos grandes best-sellers, muitos deles ótimos até, mas o best-seller é fabricado também por um poder, então o autor que está lá numa ilha no meio de um rio, a oportunidade de conhecer essa forma e conteúdo, porque o literário também é forma, não é só repertório, a gente vai ter muita pouca oportunidade de conhecer e a “bibliodiversidade” que é esse movimento internacional vai dizer que isso é uma forma de censura.
Então recuperar o literário como uma força expressiva culturalmente é de muita importância. E no caso da população negra, a gente ainda tem uma nuança que é aqui no Brasil, a população negra não é empresária do setor, então fica muito mais difícil o acesso a produzir as coisas.
Então em 1998 eu propus e fui editora de um projeto chamado Selo Negro Edições junto com o grupo editorial Sumus, aqui em São Paulo, que era exatamente criar um espaço de atração da população negra que não conseguia adentrar nas editoras de modo geral.
Anos se passaram, décadas se passaram e hoje a gente tem uma realidade um pouquinho só diferente, mas a gente já está ganhando sala enquanto produção negra e produção literária, sobretudo para criança, a gente ainda está ganhando sala no sentido de ser conhecido e quando você entra no quilombo no interior da Chapada dos Guimarães, você não vai encontrar lá só vídeo da Xuxa como aconteceu algumas poucas décadas atrás, então hoje você já tem uma consciência da importância da diversidade que é a luta de cada uma das particularidades histórias que podem estar representadas no literário e sobretudo como uma mediação, um mediador para a produção de conhecimento sobre todas essas particularidades e todas essas singularidades se juntam, se atraem, se modificam: isso é estar no mundo hoje.
A inspiração é um presente que chega, é um presente assim, você tchum, tem um insight. Por exemplo, o reverso dos meus assoalhos é um livro que chama O comedor de nuvens que nasceu no avião, lógico né e quer dizer, a inspiração veio com a realidade ali na tua janela, mas tem a vontade de brincar e associar alguma questão já.
No caso do Comedor de nuvens, eu trago uma referência de uma África, mas ela é muito subliminar, mas ele está tratando da questão do equilíbrio, do desequilíbrio na forma de lidar com o alimento, então de você comer demais, devorar demais e no caso hoje em dia, você tem o devorador de floresta, você tem o devorador de águas, então eu chamo de afroecológico e na época eu estudei muito mitologias de Áfricas em geral e eu não conheço nem 0,03% por mais que eu tenha estudado muito e essa mitologia é fonte de sabedoria mesmo que a gente não conhece e o desejo é realmente de trazer mais Áfricas porque ela é desconhecida, ela foi ignorada, mas também não é trazer de qualquer jeito, então o meu lado antropóloga, essa relação que a vida me deu com a Antropologia me faz prestar muita atenção nos sentidos envolvidos.
Não é você simplesmente copiar algo que você acha bacana, interessante e contar. Eu até faço isso também, mas a riqueza é você adensar a produção de conhecimento sobre uma determinada cultura ou sobre determinado personagem.
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