“É inevitável que eu esteja mais atenta ao sexo feminino por ser mulher, mãe de três mulheres e por entender que sim, que a mulher pode ser machucada. Acredito que, por ser mais bonita e mais tátil, ela pode ser manipulada de maneira indigesta com mais facilidade. Mas, sem sombra de dúvidas, há um desconforto quando você exclui o homem desses riscos, só porque ele é homem.”
Fernanda Young no livro PÓS-F.
Fernanda Young foi uma mulher singular e múltipla. Singular em suas particularidades, em sua originalidade. Múltipla, por explorar muitos de seus talentos e vocações: escritora, autora, desenhista, roteirista, jornalista, poeta, apresentadora, diretora e atriz. Fernanda também foi mãe, esposa, gostava de tatuagens pelo corpo, de comer pizza com ketchup e chopp. Admirava as obras de Machado de Assis, Graciliano Ramos e José Lins do Rego, e sempre declarava seu profundo amor pela língua portuguesa.
Talentosa, polêmica, irônica, ousada, contraditória são apenas alguns dos mais variados adjetivos atribuídos à ela. Ao mesmo tempo em que a escritora fazia críticas ao feminismo, Young se posicionava de forma veemente contra o machismo e qualquer outra forma de opressão. Se as declarações da escritora geravam polêmicas, é bom destacar que esse não era o objetivo de Fernanda. Sua meta era mais simples: viver sua liberdade de expressão de forma múltipla e com plena autenticidade.
Todos esses temperos estão na vasta obra que Fernanda construiu ao longo de sua carreira, mesmo tendo partido tão cedo.
Da tristeza da infância à criação artística
Fernanda Young nasceu no dia 1º de Maio de 1970 em Niterói, no Rio de Janeiro. Em entrevistas, Fernanda chegou a revelar que era infeliz na infância, mesmo sem motivos evidentes para isso, já que seu ambiente familiar era muito saudável. Filha da advogada Leila Quintanilha e do desenhista e humorista Horácio Baynes Young, Fernanda também teve uma irmã e grande amiga, Renata Young.
Quando criança, Fernanda foi diagnosticada com asma, disritmia e dislexia. Ela sentia tanta tristeza que chegou a cortar os pulsos aos 10 anos. Aos 13, iniciou um tratamento psicoterápico. Aos 16, foi vítima de um estupro cometido por um ex-namorado. O episódio fez com que ela se isolasse e abandonasse a escola. Encontrou o prazer pela vida na leitura, que a levou para a escrita, e a escrita se transformou em ferramenta para extravasar toda sua expressividade.
Tudo isso fez com que ela conhecesse a depressão logo na adolescência, e depois de muito tratamento conseguiu controlá-la. Ela chegou a revelar que a doença, bem como o tratamento dela, também lhe trouxe coisas positivas como a prática de exercícios e a disciplina.
Aos 24 anos ela voltou aos estudos para concluir o ensino médio. Em 1993, Fernanda se casou com o roteirista e escritor Alexandre de Carvalho Machado, com quem teve as gêmeas Cecília Madonna e Estela May. Após sofrer um aborto espontâneo em 2007, Fernanda e o marido decidiram entrar para a fila de adoção. Em 2010, o casal adotou Catarina Lakshimi, na época com dois anos, e John Gopala, que tinha um ano na época.
A escrita se tornou uma necessidade cotidiana, e além disso, Fernanda Young nunca escondeu sua grande paixão: a televisão.
A carreira versátil de Fernanda Young
Fernanda chegou a frequentar a Faculdade de Letras da Universidade Federal Fluminense, o curso de Jornalismo da Faculdade Hélio Alonso, e Rádio e TV na FAAP, mas não se formou em nenhum desses cursos. Inquieta, Fernanda foi buscar aprimoração fora da academia, e durante sua trajetória a televisão e a literatura caminhavam em paralelo.
A sua estreia como escritora foi na TV, na Rede Globo, em 1995, com a série “A Comédia da Vida Privada”. As histórias eram baseadas nas crônicas de Luis Fernando Veríssimo, trazendo no enredo o cotidiano das pessoas da classe média brasileira.
Em 1996 Fernanda Young lançou seu primeiro romance chamado “Vergonha dos Pés”, em 1997 publicou “À Sombra de Vossas Asas”, em 1998 “Carta para Alguém Bem Perto”, em 2000 “As Pessoas dos Livros” e em 2001 o seu quarto romance, “O Efeito Urano”.
Na sequência, Fernanda retornou aos roteiros televisivos com “Os Normais”, que lhe rendeu duas temporadas e um longa lançado em 2003. Em 2004 escreveu a série “Os Aspones”, em 2005 roteirizou para o quadro “Super Sincero” do Fantástico, e em 2006 escreveu roteiros para o seriado “Minha Nada Mole Vida”.
Em 2004 lançou o romance “Aritmética” e em 2005 publicou “Dor do Amor Romântico”. O meio editorial de revistas também aproveitou o talento de Young. Entre 2006 e 2008 ela manteve uma coluna na revista Claudia que se chamava “Cartas de Fernanda Young”. Nela, Fernanda compartilhava suas opiniões sobre comportamento, feminismo, sentimentos, sexo e política.
Voltando à televisão, Fernanda explorou outras áreas além da escrita. Havia um quarteto feminino poderoso na GNT entre 2002 e 2003, e ele era composto por Rita Lee, Mônica Waldvogel, Marisa Orth e Fernanda Young. Juntas elas apresentavam o programa “Saia Justa” em sua primeira formação. Ainda na GNT, Fernanda apresentou o programa “Irritando Fernanda” entre 2006 e 2010, e em 2012 o “Confissões do Apocalipse”.
Na série Surtadas na Yoga, além de escrever o roteiro, Fernanda também atuou como uma das protagonistas. Apesar de Fernanda ter a escrita como sua paixão e vocação, foi como atriz que Fernanda começou sua carreira. Em 1982, Fernanda havia atuado na minissérie “Iaiá Garcia” da TV Cultura, e em 1991 na novela “O Dono do Mundo”, da Rede Globo.
Por duas vezes, Fernanda foi indicada ao Emmy Internacional de melhor comédia: em 2010 pela série Separação?!, e em 2012 por Como Aproveitar o Fim do Mundo, ambos da Rede Globo. Seu livro “Pós-F: para além do masculino e feminino”, lhe rendeu um prêmio jabuti póstumo na categoria crônicas.
Forever Young
Fernanda partiu antes de concluir alguns trabalhos. Alguns artistas deram início a outros processos criativos após a sua partida, mantendo vivo o legado de Fernanda Young.
O último roteiro de Fernanda foi para a minissérie “Shippados” da Globo Play e ela estava prestes a estrear uma nova peça, “Ainda Nada de Novo”, com a atriz Fernanda Nobre. O espetáculo estava programado para entrar em cartaz no dia 12 de setembro de 2019. Vale lembrar que nos palcos Fernanda teve a sua estreia em 2008 com o monólogo dadaísta A Ideia.
A atriz Maria Ribeiro também levou um pouco mais de Fernanda ao teatro em uma adaptação do livro Pós-F. A peça foi dirigida por Mika Lins e disponibilizada via streaming devido à pandemia.
Em 2020, Renata Young, irmã de Fernanda, lançou uma série de audiolivros com a obra da escritora com narrações de Malu Mader, Marisa Orth e Fernanda Nobre. A GNT está produzindo o documentário “Tudo o que você não soube sobre FY”, em referência ao livro homônimo da escritora.
Fernanda Young estava no sítio da família em Gonçalves, Minas Gerais, quando teve uma crise de asma. Ela foi levada ao hospital, mas não resistiu. Faleceu em 25 de agosto de 2019, aos 49 anos.
Em sua última publicação nas redes sociais, comentou:
A nossa cultura material e imaterial, a nossa língua, a nossa fauna, sendo esganiçada, sacaneada, por ogros maléficos. Estamos virando uma gente porcaria, afinal “piorar é mais fácil”! E fica tão claro o oportunismo das ratazanas sorrateiras que veem na “loucura do criador”, achando-nos dispersos, irresponsáveis, ricos, nesgas para sermos passados para trás. Comigo, não! Não! Sei reconhecer um lápis meu em meio a um milhão! Não estive ‘calada nos últimos 14 anos’, não aceito desaforo! Sou uma mulher de 50 anos que sonhou e realizou muito. Eu estou longe de encerrar a minha jornada nessa orbe! Aos que se interessam: bom proveito. Para os outros: estou pouco me lixando.
Fernanda Young
E a jornada continua…
Referências
Young, Fernanda. Pós-F: para além do masculino e feminino. Editora Leya. 2019
Forever Young. Mariana Bertolucci. Revista Bá. 4 de setembro de 2019. Acesso em 28/12/2021.
Ninguém segura Fernanda Young, Igor Zahir, Revista Bravo!. 02 de julho de 2018. Acesso em 28/12/2021.
Mulher Indigesta, Natacha Cortêz. Uol Universa. 15 de agosto de 2017. Acesso em 28/12/2021.
Fernanda Young nos fazia pensar sobre nós mesmos com um sorriso, Zeca Camargo, 25 de agosto de 2019, Folha de São Paulo. Acesso em 28/12/2021
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