Hábitos Alimentares

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O que significa segurancaalimentar?

Regiane Wochle fala sobre a responsabilidade do Estado de garantir a segurança alimentar de sua população.

Transcrição da entrevista da economista Regiane Wochler concedida ao Mulheres de Luta.

A partir de março, principalmente final de março e início de abril, ou seja, o segundo trimestre do ano de 2020, nós vimos realmente a atividade econômica caindo drasticamente, nós vimos recentemente os dados do PIB mostrando essa queda bastante acentuada, mais de 9% em relação ao primeiro trimestre.

Nós vimos, também, o aumento do desemprego, que obviamente está relacionado a queda de atividade econômica.

E nós vimos, principalmente, essa é a parte mais preocupante, uma grande parcela da população, que se viu de um dia para o outro, absolutamente sem fonte de renda, sem ter como custear as suas despesas mensais, inclusive as despesas de alimentação.

A gente entra no que chamamos de segurança alimentar, ou seja, faz parte do governo garantir que seus habitantes tenham segurança alimentar.
Em um cenário como esse de pandemia, de calamidade pública, em função da questão sanitária, que obviamente tem reflexos na questão econômica, nós vimos uma série de articulações do Congresso, do governo para tentar minimizar o impacto da pandemia na economia e na vida das pessoas.

Nós vimos, no início de março, discussões em relação a liberação de um auxilio emergencial, de uma renda básica, então nós temos visto, de lá para cá, o aumento nas discussões sobre se devemos trabalhar ou não com a renda básica, renda básica universal, enfim.

Esse foi um tema retomado, não só aqui no Brasil, mas ao redor do mundo, porque a pandemia deixou, de maneira bastante clara, o quão desigual é o Brasil. Ou seja, nós somos um país de uma desigualdade social tão grande e essa desigualdade social ficou absolutamente escancarada nesse cenário, quando nós vimos essas pessoas que estavam já desempregadas, que estavam no mercado informal, basicamente, de um dia para o outro, passando fome.

O auxílio emergencial proposto pelo governo foi, inicialmente, de 200 reais, o Congresso se reuniu e aumentou o valor para 600 reais. Esse valor de 600 reais foi bastante importante para garantir, de novo, a segurança alimentar dessas pessoas, nesse período.

Alguns estudos mais recentes, tanto do IPEA, quanto da FGV, mostram que as famílias mais pobres, principalmente aquela camada, daquelas pessoas que ficavam, no que a gente chama, de abaixo da linha da pobreza, a gente está falando de um grande número de brasileiros que estão na faixa da pobreza e abaixo da linha da pobreza, e essas pessoas, com esses 600 reais, elas puderam garantir a sua segurança alimentar. 

Quando a gente fala de segurança alimentar, a gente fala necessariamente das pessoas serem capazes de comprar o seu sustento, a alimentação do dia a dia, de fazer o mínimo de 3 refeições no dia, vamos lembrar que o recomendável pela Organização Mundial da Saúde são de 5 refeições por dia, mas, ao menos, que essas pessoas pudessem fazer essas três refeições ao dia.

Aqui em uma cidade grande como São Paulo, 600 reais foi suficiente para pagar uma cesta básica, em outros locais isso permitiu uma ampliação de consumo, então, o que a gente vê, é que as pessoas que estavam abaixo da linha da pobreza são pessoas que estão realmente em situação de vulnerabilidade, que esses 600 reais foram fundamentais para que elas não passassem fome.

Mesmo assim, nos grandes centros, esses 600 reais não paga aluguel, não paga conta de luz, não paga outros serviços que são necessários para a manutenção da vida. 

O que nós vimos nas grandes cidades foi uma articulação civil bastante importante, bastante significativa. Nós vimos uma série de coletivos e de ONGs atuando, principalmente, nas favelas e nas comunidades mais carentes. Então, uma rede de solidariedade se estabeleceu no fornecimento de máscaras, de produtos de higiene, de alimentação e cestas básicas, para que essas pessoas continuassem protegidas e pudessem fazer o isolamento social necessário, para se proteger em relação à pandemia.

Nós vimos agora, mais recentemente, que o governo se propôs a reduzir esse auxílio para 300 reais, o que coloca essas pessoas de volta na linha de insegurança alimentar. Nos grandes centros, 300 reais não era, no início da pandemia, suficiente para se garantir a alimentação, e agora, com a inflação vista nas últimas semanas, principalmente nos setor de alimentos, fica evidente que esse valor não é suficiente para garantir que essas pessoas possam, ao menos, custear as suas despesas com alimentação.

Internamente, a primeira coisa que pesa bastante é a ausência do que chamamos de estoques reguladores.

Os estoques reguladores são estoques que são geridos pela CONAB, a Companhia Nacional de Abastecimento, que têm o objetivo realmente de, em momentos de escassez dos produtos básicos da alimentação brasileira, como arroz, feijão, soja, carne, que esses estoques possam ser colocados em um momento de estrangulamento de mercado, como a gente fala, de economia, ou, na verdade, na prática é, se faltar esse produto no mercado, que esses estoques que ficam guardados na CONAB, possam ser colocados a venda e possam regular o preço automaticamente.

O que nós vimos, principalmente no governo Bolsonaro, na verdade, desde o governo Temer, mas principalmente intensificado a partir de 2019, com o governo Bolsonaro, foi um desmonte total desses estoques reguladores, um desmonte, também, na atuação da CONAB, dos órgãos de regulação de preços.

Acho que cabe de dizer aqui que ninguém está defendendo que não se deve ter livre mercado, porque essa é uma situação que é colocada pelo governo, o que a gente defende é que o mercado é livre sim para flutuar, mas a gente tem que ter políticas públicas, estratégias de gestão de estoques, para garantir que a população, principalmente a mais pobre, não pague o custo de um aumento de preços, como esses que nós estamos vendo nos alimentos e que isso signifique, em última instância, passar fome. 

Ou seja, que faça parte da política de segurança alimentar de um país prever que oscilações em preços de commodities são possíveis, nós vivemos em um mundo integrado, portanto, nós também temos fatores externos que influenciam nesses aumentos de preços aqui, mas a gente tem que saber que não podemos deixar os pobres passarem fome, muito menos culpados por um consumo que é de alimento.

Deveríamos estar felizes com a situação dos pobres conseguirem comprar alimentos com esse cenário de pandemia e não acusá-los de aumentar a demanda interna e elevar o preço, quando a gente sabe que não é isso que aconteceu.

Chega a ser até desleal com as famílias mais pobres que estão passando por um aperto, que sofrem todo dia, que ficaram entre a cruz e a espada, de ter que escolher entre sair às ruas e ganhar qualquer recurso para levar alimentos à mesa, ou se proteger da pandemia.

O impacto da pandemia na alta do arroz

Regiane Wochler fala sobre como a pandemia significou necessariamente uma interrupção nas cadeias de distribuição de produtos, uma interrupção na rede de produção e isso, obviamente, teve um impacto de custos.

Transcrição da entrevista da economista Regiane Wochler concedida ao Mulheres de Luta.

Quando a gente fala especificamente do preço do arroz, a gente tem uma série de elementos que estão vinculados a esta alta. Não é apenas, como Paulo Guedes disse, reflexo de um aumento de consumo interno, como se a vida das pessoas tivesse melhorado, como ele disse.

Infelizmente não é essa a situação, antes fosse. A gente tem alguns fatores gerais e alguns fatores internos e externos.

Bom, o principal fator geral, obviamente, é a pandemia. A pandemia que atingiu não só Brasil, mas o resto do mundo. Ela significou necessariamente uma interrupção nas cadeias de distribuição de produtos, uma interrupção na rede de produção e isso, obviamente, teve um impacto de custos mesmo.

A gente viu alguns estudos de IPEA e IBGE que mostram que a maior parte das famílias brasileiras apresentaram redução de renda, nesse segundo trimestre de 2020. Então, a média de queda de renda foi algo em torno de 20% no mínimo, entre as famílias.

Falando, ainda, dos fatores internos, a gente teve também, historicamente, a gente está falando ai de pelo menos 2019 para cá, um aumento de áreas cultiváveis com commodities, nas quais o Brasil tem mais negociações no exterior, então, um aumento de áreas destinadas a produção de soja, milho, algodão, por exemplo.

E culturas mais voltadas para o mercado interno, como o arroz e feijão, por exemplo, tiveram ou redução de áreas, ou estabilidade dos locais. Ou seja, a gente chegou nesse período de pandemia em uma situação que combinou uma menor produção brasileira de arroz e feijão, junto com o aumento de demanda, que não foi só nacional, mas internacional também que, as pessoas estando em casa, o aumento de consumo de feijão e arroz realmente cresceu um pouco mais.

Em relação aos fatores externos, enfim, externo, interno, a gente teve aqui a cotação de dólar, que tem um peso enorme em relação ao preço, não só do arroz, mas de outras commodities.

Então, quando a gente fala de commodities, a gente fala de produtos que são negociados no exterior, produtos que o país produz internamente, que vende para o exterior. Então, para as pessoas comuns é muito difícil a gente imaginar que o preço do dólar subiu, “não compro dólar, para o que isso me importa?”.

Porque na ponta, o preço do dólar tem impacto nos nossos alimentos, então, uma boa parte do preço do arroz hoje, que nós estamos vendo, esse aumento de preço, está vinculado sim ao aumento do preço do dólar, também.

Isso porque, quando o dólar sobe, em relação ao real, isso faz com que nossos produtos brasileiros no exterior tenham uma maior competitividade, ou seja, os produtores nacionais, os grandes produtores nacionais, podem optar em vender para o exterior, onde encontram uma lucratividade maior, ao invés de vender internamente.

Então, esse sim é um grande impacto que a gente viu em relação ao preço do arroz aqui no Brasil. Então, não é o consumo das famílias, meramente, mas principalmente o aumento do dólar que serviu de estímulo às exportações brasileiras de arroz, de feijão, de soja, de milho e isso, obviamente, se reflete na falta desses produtos internamente. Portanto, por isso, aumenta-se o preço internamente.

Uma outra coisa que é importante da gente falar, também, em relação a essa questão internacional, diz respeito a quebra de safras internacionais.
Então a gente tem outros players, outros países que são produtores de arroz ao redor do mundo, a gente tem Índia como um dos maiores produtores, China também, e Estados Unidos, esses três países sofreram queda em virtude de quebra de safra.

A China sofreu uma inundação grande nas plantações e isso, obviamente, afetou a quantidade de arroz disponível. Os Estados Unidos já vinha enfrentando problemas na safra de arroz desde outubro do ano passado, então, isso nem é um dado novo, é sabido. A Índia também teve questões climáticas que influenciaram na produção arroz.

Portanto, a demanda externa por esse produto acabou subindo. Então, esses fatores internacionais têm muito mais peso do que os nacionais.
Então, cresceu a demanda externa por arroz, que não pode ser atendida por esses países, então surgiu uma oportunidade para o arroz brasileiro e o grande produtor brasileiro acabou optando vender para o exterior até porque, o dólar estando mais alto, a receita para ele em reais acaba sendo maior.
Essa é uma questão. E como, internamente, os órgãos públicos não tinham mais estoques reguladores para equilibrar o preço internamente, então a gente vê o aumento de preços subindo.

Uma outra coisa que é importante, também, falar em termos internacionais, que teve sim peso na questão do preço do arroz, diz respeito a problemas geopolíticos.

Um grande exemplo disso diz respeito, por exemplo, ao fato de os Estados Unidos terem parado de vender arroz para países árabes e para a Venezuela, nos últimos meses. Isso, também, abriu uma janela de exportação para o Brasil deste produto, arroz. A gente já tinha comércio, por exemplo, com os árabes, em relação a carnes e, também, passamos a exportar arroz.

Isso porque os Estados Unidos cortou relação com esses produtos, para esses países, ou seja, a demanda internacional por arroz cresceu exponencialmente e o grande produtor nacional brasileiro, acabou optando por isso.

Então, quando a gente olha os levantamentos feitos pelo CEPEA, que é o Centro de Estudos Avançados de Economia Aplicada, da USP, a gente vê que o preço do arroz, em 12 meses, aqui, no Brasil, chegou a variar mais de 100%.

Então, quando a gente olha o preço da saca de arroz de 50 Kg, do tipo 1, em janeiro a saca custava 49 reais e 50 centavos, isso a gente está falando de pessoa produtor. Em setembro de 2020, a mesma saca, o mesmo tipo de arroz, vale 103.38 reais. Ou seja, a gente teve um aumento de 108% no preço da saca, na produção do produtor.

Quando a gente olha, também, o preço em dólar, o preço em dólar da saca também mudou. Ou seja, não apenas a variação cambial, a mudança que a gente tem quando fazemos a conversão de real para dólar, que por si só já garantiria um maior retorno para o produtor nacional. Mas a gente tem, também, é que o preço e dólar também subiu por causa dessa queda de safras ao redor do mundo.

Então, segundo os dados do CEPEA, também, em dólar, a saca valia 11 dólares e 95 cents e janeiro, passo para 19 dólares e 46 cents em setembro, ou seja, em dólar houve uma variação de 62.85%.

Então, esse conjunto de coisas acabou fazendo com que os mais pobres sofressem. Então, se com 600 reais era possível, em uma grande cidade, você garantir a segurança alimentar, hoje esses 600 reais já não seria possível garantir isso. Com 300 reais, então, é certeza que essas famílias voltarão para a vulnerabilidade alimentar, para a área de insegurança alimentar.

Então, nós temos, realmente, um problema muito sério para os próximos meses.

A inflacão da cesta básica

Regiane Wochler fala sobre como a pandemia deixou, de maneira bastante clara, o quão desigual é o Brasil.

Transcrição da entrevista da economista Regiane Wochler concedida ao Mulheres de Luta.

A partir de março, principalmente final de março e início de abril, ou seja, o segundo trimestre do ano de 2020, nós vimos realmente a atividade econômica caindo drasticamente, nós vimos recentemente os dados do PIB mostrando essa queda bastante acentuada, mais de 9% em relação ao primeiro trimestre. 

Nós vimos, também, o aumento do desemprego, que obviamente está relacionado a queda de atividade econômica. 

E nós vimos, principalmente, essa é a parte mais preocupante, uma grande parcela da população, que se viu de um dia para o outro, absolutamente sem fonte de renda, sem ter como custear as suas despesas mensais, inclusive as despesas de alimentação.

A gente entra no que chamamos de segurança alimentar, ou seja, faz parte do governo garantir que seus habitantes tenham segurança alimentar.

Em um cenário como esse de pandemia, de calamidade pública, em função da questão sanitária, que obviamente tem reflexos na questão econômica, nós vimos uma série de articulações do Congresso, do governo para tentar minimizar o impacto da pandemia na economia e na vida das pessoas.

Nós vimos, no início de março, discussões em relação a liberação de um auxilio emergencial, de uma renda básica, então nós temos visto, de lá para cá, o aumento nas discussões sobre se devemos trabalhar ou não com a renda básica, renda básica universal, enfim.

Esse foi um tema retomado, não só aqui no Brasil, mas ao redor do mundo, porque a pandemia deixou, de maneira bastante clara, o quão desigual é o Brasil. Ou seja, nós somos um país de uma desigualdade social tão grande e essa desigualdade social ficou absolutamente escancarada nesse cenário, quando nós vimos essas pessoas que estavam já desempregadas, que estavam no mercado informal, basicamente, de um dia para o outro, passando fome.

O auxílio emergencial proposto pelo governo foi, inicialmente, de 200 reais, o Congresso se reuniu e aumentou o valor para 600 reais. Esse valor de 600 reais foi bastante importante para garantir, de novo, a segurança alimentar dessas pessoas, nesse período.

Alguns estudos mais recentes, tanto do IPEA, quanto da FGV, mostram que as famílias mais pobres, principalmente aquela camada, daquelas pessoas que ficavam, no que a gente chama, de abaixo da linha da pobreza, a gente está falando de um grande número de brasileiros que estão na faixa da pobreza e abaixo da linha da pobreza, e essas pessoas, com esses 600 reais, elas puderam garantir a sua segurança alimentar. 

Quando a gente fala de segurança alimentar, a gente fala necessariamente das pessoas serem capazes de comprar o seu sustento, a alimentação do dia a dia, de fazer o mínimo de 3 refeições no dia, vamos lembrar que o recomendável pela Organização Mundial da Saúde são de 5 refeições por dia, mas, ao menos, que essas pessoas pudessem fazer essas três refeições ao dia.

Aqui em uma cidade grande como São Paulo, 600 reais foi suficiente para pagar uma cesta básica, em outros locais isso permitiu uma ampliação de consumo, então, o que a gente vê, é que as pessoas que estavam abaixo da linha da pobreza são pessoas que estão realmente em situação de vulnerabilidade, que esses 600 reais foram fundamentais para que elas não passassem fome.

Mesmo assim, nos grandes centros, esses 600 reais não paga aluguel, não paga conta de luz, não paga outros serviços que são necessários para a manutenção da vida. 

O que nós vimos nas grandes cidades foi uma articulação civil bastante importante, bastante significativa. Nós vimos uma série de coletivos e de ONGs atuando, principalmente, nas favelas e nas comunidades mais carentes. Então, uma rede de solidariedade se estabeleceu no fornecimento de máscaras, de produtos de higiene, de alimentação e cestas básicas, para que essas pessoas continuassem protegidas e pudessem fazer o isolamento social necessário, para se proteger em relação à pandemia.

Nós vimos agora, mais recentemente, que o governo se propôs a reduzir esse auxílio para 300 reais, o que coloca essas pessoas de volta na linha de insegurança alimentar. Nos grandes centros, 300 reais não era, no início da pandemia, suficiente para se garantir a alimentação, e agora, com a inflação vista nas últimas semanas, principalmente nos setor de alimentos, fica evidente que esse valor não é suficiente para garantir que essas pessoas possam, ao menos, custear as suas despesas com alimentação.

Internamente, a primeira coisa que pesa bastante é a ausência do que chamamos de estoques reguladores.

Os estoques reguladores são estoques que são geridos pela CONAB, a Companhia Nacional de Abastecimento, que têm o objetivo realmente de, em momentos de escassez dos produtos básicos da alimentação brasileira, como arroz, feijão, soja, carne, que esses estoques possam ser colocados em um momento de estrangulamento de mercado, como a gente fala, de economia, ou, na verdade, na prática é, se faltar esse produto no mercado, que esses estoques que ficam guardados na CONAB, possam ser colocados a venda e possam regular o preço automaticamente.

O que nós vimos, principalmente no governo Bolsonaro, na verdade, desde o governo Temer, mas principalmente intensificado a partir de 2019, com o governo Bolsonaro, foi um desmonte total desses estoques reguladores, um desmonte, também, na atuação da CONAB, dos órgãos de regulação de preços.

Acho que cabe de dizer aqui que ninguém está defendendo que não se deve ter livre mercado, porque essa é uma situação que é colocada pelo governo, o que a gente defende é que o mercado é livre sim para flutuar, mas a gente tem que ter políticas públicas, estratégias de gestão de estoques, para garantir que a população, principalmente a mais pobre, não pague o custo de um aumento de preços, como esses que nós estamos vendo nos alimentos e que isso signifique, em última instância, passar fome. 

Ou seja, que faça parte da política de segurança alimentar de um país prever que oscilações em preços de commodities são possíveis, nós vivemos em um mundo integrado, portanto, nós também temos fatores externos que influenciam nesses aumentos de preços aqui, mas a gente tem que saber que não podemos deixar os pobres passarem fome, muito menos culpados por um consumo que é de alimento.

Deveríamos estar felizes com a situação dos pobres conseguirem comprar alimentos com esse cenário de pandemia e não acusá-los de aumentar a demanda interna e elevar o preço, quando a gente sabe que não é isso que aconteceu. Chega a ser até desleal com as famílias mais pobres que estão passando por um aperto, que sofrem todo dia, que ficaram entre a cruz e a espada, de ter que escolher entre sair às ruas e ganhar qualquer recurso para levar alimentos à mesa, ou se proteger da pandemia.

Consequências nutritivas e socias da altado arroz

Você já parou para pensar sobre a necessidade de um olhar sistêmico sobre a alimentação, considerando produção, distribuição, processamento, acesso, consumo e até o descarte?

Lourence Cristine Alves propõe uma análise sobre todos esses elementos da cadeia.

Transcrição da entrevista de Lourence Cristine Alves, professora de História e Antropologia, Nutrição e Gastronomia, concedida ao Mulheres de Luta.

O arroz acaba sendo muito usual. Houve um incentivo, a partir da produção, para que o arroz fosse incorporado na nossa base de alimentação.

Ele está presente desde muito tempo com diversas variações. Seja salgado, que é o que mais consumimos, essa mistura de arroz com feijão, assim como a variação do arroz doce. A base de farinha que vem do arroz, também conseguimos fazer mingaus e papas.

Então, ele é um cereal muito versátil, conseguimos trabalhar com as sobras do arroz, e é nutricionalmente completo. Combinado com o feijão ou com algumas oleaginosas, você tem a formação de proteína completa que só teria numa carne, por exemplo.

Quem não come carne, por exemplo, e faz uma opção pelo vegetarianismo, essa combinação do arroz com feijão ou do arroz com alguma outra oleaginosa é bem importante e complementa a dieta.

Não dá para pensarmos no arroz só nessa dimensão do macronutriente, enquanto carboidrato. A substituição pelo macarrão, talvez, estaria associado a isso.

Vai tirar o arroz e colocar outro tubérculo, uma batata ou um macarrão, isso é só no sentido do valor da energia que o carboidrato nos traz, mas como estamos falando de proteína, o arroz é aquele que permite essa combinação.

Talvez, se conseguíssemos substituir o arroz por quinoa, mas é tão cara quanto o arroz. Então, não resolveu o problema.

Não é simples trazer uma substituição, porque estamos falando de um ingrediente que faz parte da dieta básica brasileira há muito tempo, está enraizado no nosso hábito alimentar comer arroz com feijão.

Além disso é a combinação que garante uma segurança alimentar e nutricional para uma população que, se formos olhar para o macro do Brasil temos mais de 10 bilhões de pessoas, está aumentando, não só voltamos para o mapa da fome como estamos aumentando o número de pessoas que sofrem com a fome.

Essa alta do arroz tem um impacto muito sério e grave para a maior parte da população. Estamos num cenário de pandemia em que muitas crianças não estão indo a escola, muitas vezes a escola, a merenda é uma das principais fontes de alimentação dessas crianças.

Não ter arroz com feijão, não ter a garantia desses alimentos na mesa, é um risco enorme para seguranca alimentar e nutricional de muitos brasileiros. Então, é muito sério!

Diferente, por exemplo, do que aconteceu com o tomate, na época da alta do tomate, essa alta do arroz tem um impacto muito mais grave, por ele fazer parte dessa base de alimentação.

Precisamos entender que a alta do arroz está associada a uma questão de safra, mas, também, a um modelo de agronegócio que opta por lucrar mais exportando que mantendo esse arroz dentro do nosso território.

Por um modelo de distribuição rodoviária pautada, também, nesses grandes produtores. Não permitem que as produções dos pequenos, dos assentamentos ligados ao MST, que estão destinando toda a sua produção de arroz para o consumo nacional e não exportam esse arroz.

Fazer com que isso chegue até a mesa do brasileiro e consigamos equilibrar o custo, também, passa pela opção logística, da distribuição rodoviária que aumenta os custos.

Precisamos aproveitar esse momento do arroz para repensarmos uma série de estruturas que fazem parte da alimentação. As vezes olhamos para a alimentação só para o consumo, só o comer.

O que costumo falar para meus alunos de nutrição, sou um elemento de humanas na nutrição, dou uma disciplina chamada História e Antropologia na Nutrição.

Chamo a atenção para o olhar sistêmico da alimentação, precisamos pensar como um sistema, como uma cadeia que está conectada a produção, distribuição, processamento, acesso, o consumo e as informações em torno disso, até o descarte. Precisamos olhar para todos esses elementos da cadeia.

Então, pensar a alta do arroz nesse momento poderia ou deveria ser uma oportunidade de reflexão, uma proposta de mudança.

Mas quando temos uma estrutura de poder federal que menciona a substituição pelo macarrão, identificamos um desconhecimento absurdo, uma desconsideração dos hábitos alimentares brasileiros e uma falta de compromisso de aproveitar um problema e analisá-lo no sentido de propor mudanças, para que isso não venha acontecer no futuro.

Infelizmente, é o que deveria acontecer, mas não está acontecendo.

Caminhos históricos do arroz

Você sabia que o nosso arroz, ainda que venha, também, dos portugueses, chega em Portugal via África?

Transcrição da entrevista de Lourence Cristine Alves, professora de História e Antropologia, Nutrição e Gastronomia, concedida ao Mulheres de Luta.

O arroz, na verdade, ele é uma inquietação muito grande, porque o arroz com feijão é a base da nossa comida e forma uma proteína completa. A lisina e a miosina formam uma proteína completa, então, é muito importante!

Sempre ouvi no curso de gastronomia que o arroz era uma contribuição europeia, que os portugueses introduzem a cultura do arroz aqui. Reproduzia isso com uma pulga atrás da orelha, um desconfiar.

Uma vez ouvi um ativista e pesquisador de Guiné Bissau, chamado Miguel de Barros, falando sobre a cultura do arroz em Bissau.

Comecei a refletir sobre os caminhos desse arroz e, também, a partir da ideia de que o arroz é muito importante nas culturas do sul dos Estados Unidos, está presente em muitas preparações.

A partir daí comecei a pensar que o nosso arroz, ainda que venha, também, dos portugueses, chega em Portugal via África.

Uma coisa que não é muito dita, é a importância da ocupação negra a partir dos mouros da Península Ibérica, em Portugal e Espanha.

Inclusive, tem algumas correntes mais xenófobas europeias que não consideram portugueses e espanhóis como brancos por conta dessa ocupação moura. Que vai estar presente na arquitetura andaluza e em algumas técnicas.

A própria salga do bacalhau é uma prática que era feita desde o Egito, e vai ser introduzida na Europa a partir dessa ocupação moura, muçulmana. Durou muitos anos e chega ao fim no final da Idade Média, a partir das guerras católicas de reconquista, para reocupar, via catolicismo, esses territórios da Península Ibérica.

Muito daquilo que vem de Portugal e Espanha é um processo que vai de África para Portugal e depois para o Brasil. Mas só recebemos como sendo europeu.

O arroz não é, originalmente, europeu. Também entra na Itália via essa influência moura, essa ligação com o Oriente, que já havia uma relação bem mais antiga com o sudeste asiático. Vemos os caminhos que esse arroz percorre até chegar aqui.

Além disso, temos arroz nativo na américa. O arroz vermelho é nativo de alguns povos pindorâmicos, principalmente, próximos ao nosso litoral. Encontramos em diversos lugares.

Recentemente, aqui no Rio, tem uma loja que vende grãos e cereais, eles fizeram uma propaganda super interessante do arroz vermelho. Falando que antes dos invasores portugueses, coloca até os portugueses como invasores, chegarem no Brasil, já tínhamos produção de arroz. É importante resgatar isso.

Tem um restaurante no Ceará, chamado O Mar Menino, que ressignifica um termo chamado DOC – Denominação de Origem Controlada, que é um selo que determinados produtos ganham a partir do reconhecimento da sua territorialidade. Isso tem muito na Europa, principalmente, na França.

Eles ressignificaram a sigla DOC para Denominação de Origem Cearense, trazem elementos tradicionais do Ceará para o restaurante. Então, o risoto do O Mar Menino é feito com arroz vermelho, nativo de uma comunidade indigena que fica próxima ao restaurante.

Esse processo de resgate é importante. Entendermos os caminhos de alguns ingredientes e mudarmos, um pouco, nosso olhar.

Para entender que a nossa gastronomia não precisa estar só super valorizando aquilo que vem da Europa, porque temos uma constituição muito múltipla, e o arroz é muito esse elemento.

Uma das pesquisas que faço é de entender os caminhos de alguns ingredientes, um deles é o arroz.

As causas do aumento do preço do arroz

A pesquisadora Romilda de Souza Lima apresenta um panorama da rizicultura no Brasil, explica as causas do aumento do arroz e opina sobre como o Estado deveria atuar. Assista online!
Saiba mais sobre a importância do arroz no prato brasileiro
Transcrição de entrevista concedida pela Profª. Drª. Romilda de Souza Lima, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná ao Mulheres de Luta.

No que se refere a produção de arroz, a rizicultura, o Brasil está entre os países que mais produzem, assim como outras commodities agrícolas. A soja, milho, o trigo.

O Rio Grande do Sul é o maior produtor de arroz, hoje, no Brasil.

O país exporta para mais de 100 países, sendo Venezuela e Peru os principais compradores.

Dados do Ministério da Economia apontam que o país exportou 665.000 toneladas, de Janeiro a Agosto de 2019. Em 2020 aumentou a exportação para 1,15 milhões de toneladas no mesmo período, de Janeiro a Agosto.

Certamente esse aumento na exportação é uma das causas do aumento de preço do arroz. Uma das regras do capitalismo é vender para quem paga mais, um das razões, também, para isso, é a desvalorização do Real em relação ao Dólar.

Outro motivo é o aumento do consumo durante a pandemia, porque as pessoas estão cozinhando mais em casa e, consequentemente, podem estar contribuindo para aumentar o consumo deste produto.

Há ainda o pequeno incremento do Auxílio Emergencial, que o setor econômico do governo tem apontado como sendo o responsável pela elevação do consumo e, consequentemente, pela alta do preço do arroz.

Honestamente, não creio ser esse o motivo. O valor é muito baixo e o público que o recebe já consome, basicamente, o arroz e feijão no cotidiano, mesmo antes da pandemia. Não acredito que tenham usado o recurso para aumentar o consumo de arroz.

A alta dos preços está muito mais associada à exportação, ao aumento da exportação deste produto nesse último ano.

Nessas situações é fundamental um acompanhamento do governo no sentido de regular, para que o alimento não sofra aumentos abusivos. Porque trata-se de um alimento que é componente básico da cultura alimentar da maior parte da população.

Em função disso e, também, de eventos climáticos que venham a ocorrer e causarem grandes prejuízos na produção de alimentos, é que o governo precisa administrar e manter o estoque público regulador de alimentos básicos consumidos pela população. Como o arroz, feijão, café, o trigo, por causa do pão, principalmente. Entre outros produtos. Para que em uma situação de crise possa colocá-los no mercado com preço mais baixo e ajudar a equilibrar essa balança, e não faltar alimentos internamente.

Isso é uma ação importantíssima e estratégica de soberania alimentar e de segurança alimentar e nutricional.

No Brasil esse estoque público é realizado pela Conab – Companhia Nacional de Abastecimento. Mas, ao que parece, os estoques de arroz são baixos e insuficientes. São poucos, também, os armazéns da Conab em funcionamento no país hoje.

O Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, perdeu seu lugar de importância e de centralidade que ocupava em nível governamental. Já estamos vendo algumas consequências disso.

É um contrassenso um país se gabar de ser um grande exportador de grãos e, ao mesmo tempo, faltar alimentos estocados para atender a população interna em situação de crise, sobretudo, para a parcela da população mais pobre, os que mais sofrem o impacto com a alta dos preços dos alimentos que compõem a cesta básica.

A monocultura do arroz não se dá pelos agricultores familiares em grande parte dos casos. Mas os pequenos agricultores também cultivam alimentos, cerca de 34% do arroz brasileiro é proveniente da agricultura familiar, segundo dados do governo, sobretudo, na forma de associações e cooperativas.

Além disso a agricultura familiar produz 70% do feijão consumido internamente e 38% do café. Estes dados são de 2019.

Dados da Conab, ainda de 2019, apontam para uma redução recorrente das áreas de rizicultura pela agricultura familiar. O cultivo se dá em pequenas áreas e destina-se ao autoconsumo e a venda do excedente.

Um dos pilares de manutenção da produção de arroz, ainda pela agricultura familiar hoje, é o PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar. Para a agricultura familiar, no que se refere ao arroz, o melhor caminho é o cultivo do arroz orgânico, já que possui um perfil de consumidor no Brasil e no exterior interessados em alimentos livres de agrotóxicos, mais sustentáveis ecológica e socialmente.

A melhor referência, hoje, de associação de agricultores familiares, agroecológicos na produção de arroz no Brasil é o MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, do Rio Grande do Sul.

É hoje o maior produtor de arroz orgânico da América Latina, exporta para mais de 10 países, mas, também, entregam alimentos para alimentação escolar, através do PNAE, para vários estados.

Baseados nos princípios da agroecologia, esses agricultores e agricultoras comprovam que é possível produzir alimentos sadios e sustentáveis, e comercializá-los a preços justos.

Na última safra foram colhidas 15.000 toneladas, parte dessa produção, durante a pandemia, foram doadas para compor cestas de alimentos para grupos socialmente vulneráveis. São 364 famílias, em 14 assentamentos, situadas em 11 municípios gaúchos que estão envolvidas na produção do arroz orgânico.

Mulheres de Luta

Conteúdos de interesse geral, não restritos às pautas feministas, onde mulheres especialistas em suas áreas são fonte de informação, opinião e inspiração.

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