Interseccionalidade no Mercado de Trabalho

O episódio Interseccionalidade no Mercado de Trabalho, da série Super mulheres: educação, trabalho e poder, discute a precarização do trabalho, o panorama das mulheres no mercado de trabalho e as questões raciais entrelaçadas nessa relação dentro da sociedade brasileira.

As mulheres negras ainda são a maioria exercendo trabalho doméstico no Brasil. Elas ocupam o trabalho que seria “destinado à patroa da casa”, e não ao homem. Mesmo após a abolição da escravidão, a discussão e os avanços com relaçãos aos direitos das trabalhadoras domésticas demoraram muito para acontecer, e ainda são precarizados.

No mercado de trabalho, de forma geral, as mulheres ainda recebem um salário menor do que o do homem, e embora tenhamos muitas mulheres no mercado de trabalho, elas ainda ocupam menos cargos de chefia. Quando se trata de mulheres negras, a diferença é ainda maior.

Para discutir esses e outros assuntos sobre o tema, o Mulheres de Luta entrevistou Francisca Santos da Silva, trabalhadora doméstica; Adriana Ramos Costa, Professora do IBMEC e Doutoranda em Direitos Humanos pela UFRJ; Maria Sylvia Aparecida, advogada e Presidenta da ONG Geledés; a Dra Hildete Pereira de Melo Professora do Instituto de Economia da UFF; Creuza Maria Oliveira, Presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas; a Dra Jurema Werneck, médica e Diretora da ONG Criola; Anita Canavarro, Professora de Química da UFGO; Rosa Marques, da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco; a Dra Elisângela de Jesus Santo, Cientista Social e professora do CEFET; Flavia Souza, Coreógrafa e Coordenadora do Grupo Afrolaje e Joice Soares, Doutoranda em História pela UFRJ.

TRANSCRIÇÃO: A MULHER NO MERCADO DE TRABALHO- PERSPECTIVA INTERSECCIONAL (25:03)

Eu sou a “Cimar”. Não, eu sou Francisca Santo da Silva, vou fazer 59 anos. Com uns 14 anos eu já trabalhava em casa de família, faxina. 

Todo dia eu ia e ganhava uma garrafinha de leite para eu dar para o meu irmão. Depois de lá, uma colega minha arrumou um trabalho para mim como cobradora de ônibus. Eu trabalhei como cobradora de ônibus, mas também lá eles não assinavam a minha carteira, depois que eu voltei a trabalhar em casa de família e até hoje eu continuo trabalhando em casa de família. 

Vanessa: E a senhora gosta de trabalhar em casa de família?

Eu gosto, eu adoro, só não gosto de cozinhar, agora, faxina é comigo. Adoro fazer faxina, passar roupa, tudo isso eu gosto. Agora, cozinhar eu não gosto.

Vanessa: O que o trabalho representa na sua vida?

Tudo, porque se não for o trabalho, eu não sobrevivo. Eu tenho que trabalhar para sobreviver. Se não tiver trabalho, como é que eu vou viver?

Adriana Ramos Costa (professora do IBMEC e doutoranda em Direitos Humanos UFRJ)

A precarização do trabalho é a retirada de direitos trabalhistas. É a retirada ali dessa pessoa ter condições através do seu trabalho de ter um direito à previdência, um direito ao 13º, então a precarização do trabalho é a retirada de direitos que foram conquistados ao longo do tempo e que continuam sendo ponto de tensão, ponto de discussão. O que a gente vê é que nós temos um número maior de mulheres em postos considerados precários e um número maior de mulheres negras em postos considerados precários.

De acordo com essa nota técnica do Ipea que faz um estudo da mulher no mercado de trabalho de 2004- 2014, eu tenho os números aqui que 39.1% das mulheres negras ocupadas estão inseridas em relações precárias de trabalho. Então é um número grande de mulheres, é uma força de trabalho grande que está inserida nesses postos que não garantem a essa mulher uma rede protetiva de direitos haja vista que quando se fala em precarização do trabalho, um dos exemplos que podem ser dados é com relação ao trabalho doméstico. O trabalho doméstico é um trabalho exercido na sua maioria por mulheres e por mulheres negras.

Maria Sylvia Aparecida (advogada e presidenta da ONG Geledés)

Na verdade, o trabalho doméstico no Brasil é um resquício da escravidão negra. No pós-abolição, essas mulheres negras junto com o restante da população negra tinham sido proibidas de estudar inclusive por lei e elas saem do período de escravidão no dia 14 de maio sem emprego, sem terra, sem dinheiro, só que as mulheres negras tinham ainda essa condição de trabalhar na casa da população branca, continuar o trabalho escravo, porque, na verdade, nós só vamos ter uma modificação para o tratamento dessas mulheres empregadas domésticas, trabalhadoras domésticas como trabalhadoras, agora no início do século XXI, coisa de 2013 que saiu a PEC das domésticas. Então, veja, 128 anos após a abolição é que essas mulheres são reconhecidas como trabalhadoras com direitos iguais a todos os outros trabalhadores que nós conhecemos.

Dra. Hildete Pereira de Melo (professora Instituto de Economia da UFF)

As trabalhadoras domésticas já estão desde a década de trinta organizadas em associações com muita precariedade, porque as domésticas, ao contrário de uma fábrica na qual você aglomera 50, 20, 30 pessoas, 100.00 pessoas, eram uma, duas por cada casa, dependendo se a patroa é rica ou média. Isso dificulta a organização sindical delas, mas mesmo assim elas não esmoreceram. Havia associações profissionais de domésticas pelo Brasil inteiro até que em 72, organizado em Campinas e um deputado, naquela época não era PMDB, era MDB, fez um projeto que foi aprovado que dava direito ao salário mínimo, mas você vê como demorou (imagem: Laudelina de Campos Mello, 1904-1991, líder do movimento de domésticas de Campinas)

Mesmo assim eram direitos parciais, então as férias primeiro foram 20 dias, depois 30. As domésticas não tinham todos os direitos dos assalariados. Nós não conseguimos fazer essa negociação. As domésticas tinham direito ao registro na carteira, mas isso era irrisório, quer dizer, praticamente só 20% das domésticas tinham carteira assinada. A maioria da população brasileira não assinava a carteira e não respeitava.

Aí, se a doméstica quando saía do emprego quisesse ir à Justiça do Trabalho, a Justiça do Trabalho reclamava e ela ganhava, só que como os salários eram muito baixos, porque o salário das domésticas ainda é o pior salário do leque de empregos do Brasil e isso foi se arrastando e o movimento das domésticas que, pela Constituição de 1988, as associações viraram sindicados de domésticas e elas permaneceram na luta e agora, já no governo do presidente Lula, essa questão voltou à tona com muita força, sobretudo depois que se elegeu uma deputada negra que a mãe tinha sido doméstica, Benedita da Silva, e a Benedita desde a década de noventa que entrou com projetos para contornar a questão das domésticas, porque para que você conseguisse fazer a igualdade salarial e o registro completo das domésticas era preciso fazer uma emenda constitucional e para fazer emenda constitucional você precisa 2/3, então isso era um empecilho. Não era apenas uma mudança na legislação, você tinha que mexer na constituinte. 

Essa questão do Brasil não é só porque a sociedade brasileira é mais retrógrada que a mundial. A própria Organização Mundial do Trabalho, a OIT, que existe desde 1919, nunca tinha se preocupado com essa questão. A conferência internacional da OIT sobre as domésticas é de 2011, uma associação que existe desde 19, quer dizer, ela nunca também tinha trabalhado com a questão das trabalhadoras domésticas. Então você percebe que é porque é coisa de mulher, porque a doméstica me substitui. Se eu tenho renda e eu posso pagar uma, eu posso deixar alguém dentro de casa para fazer o trabalho que normalmente a sociedade diz que é meu, que é minha responsabilidade.

Adriana Ramos Costa (professora do IBMEC e doutoranda em Direitos Humanos UFRJ)

O trabalho doméstico é um trabalho não valorizado, porque é um trabalho feito por mulheres e por mulheres negras dentro de uma estrutura patriarcal racista e escravagista como a nossa, como a brasileira. E muito que se discutia é: Ah, o trabalho doméstico não é um trabalho produtivo e não sendo um trabalho produtivo, não gera lucro e se não gera lucro, como é que a gente vai aferir ali, como é que eu vou poder pagar hora extra?

Só que essa é uma questão que já foi colocada. O trabalho doméstico pode não ser um trabalho produtivo, mas é um trabalho reprodutivo, então é um trabalho. Sei que existem algumas dificuldades de implementação de determinadas questões nessa regulamentação do trabalho doméstico, mas ela é necessária. Porque não se vê o trabalhador doméstico como um trabalhador que necessita desses direitos serem também a ele estendidos. Ele ainda é visto como um trabalhador menor. Então, em virtude mesmo dessa desvalorização desse trabalho doméstico e do próprio medo dessa classe média de lidar com uma trabalhadora que agora tinha uma série de direitos que antigamente não eram ali regulados, houve o aumento da informalidade. 

Espero que ou o trabalho doméstico venha mesmo a se extinguir, porque há uma pesquisa também do Ipea mostrando que o número de trabalhadoras domésticas novas, jovens, tem cada vez diminuído mais e que há uma ocupação de mulheres de mais idade, então espero que esse trabalho venha diminuir, por quê? Porque eu espero que essas pessoas, esses jovens, essas pessoas que estão nesse grupo de mulheres, de negras e de classe social mais popular possam se qualificar em outras áreas e que haja espaço, que haja possibilidade para elas poderem se qualificar e exercerem outras atividades que sejam atividades ali mais valorizadas. Então eu espero que esse trabalho seja sim diminuído, mas diminuído por quê? 

Porque há possibilidade dessas mulheres que via de regra são mulheres que não tiveram a possibilidade de se especializarem em outras áreas que elas possam ter essa possibilidade de se especializar ou ter aí outros saberes incorporados ao que elas já sabem. Também acredito que seja possível uma maior maturidade na nossa sociedade em compreender a importância de se garantir a essas trabalhadoras ou a esses trabalhadores os mesmos direitos que são ali dados para outras áreas, para outros postos de trabalho. Por que ainda hoje em 2016 a gente ter dentro da nossa casa uma pessoa que é ali entendida como um sujeito que pode ter o seu trabalho precarizado? Então a gente precisa de uma maior maturidade para poder perceber a importância de valorizar esse trabalho sim e se não for possível, não é querer explorar ainda mais essa mulher, mas dar a possibilidade dessa mulher ir para outros postos de trabalhos.

Creuza Maria Oliveira (Federação Nacional das Trabalhadoras)

Eu sou da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas que é uma categoria onde a maioria são mulheres, mulheres de baixa renda, que é um trabalho que eu creio que é uma das primeiras profissões do mundo, porque um trabalho doméstico existe e não é de hoje e essa categoria, apesar do avanço dos novos direitos, da Lei 150, ainda sofre muitas violações nos seus direitos. 

Ainda faltam políticas públicas na área de creche, de escola tempo integral para que essa mulher possa sair para trabalhar e deixar seus filhos em segurança. Então, como toda mulher que está no mercado de trabalho precisa de direito, precisa de respeito, a categoria de doméstica também precisa desta sustentação, porque ela que é chefe de família, ela que é a grande matriarca que garante o sustento da sua família, então o mercado de trabalho para essa categoria é fundamental.

Dra. Jurema Werneck (médica e diretora da ONG Crioula)

O mercado de trabalho, quer dizer, é como as pessoas têm acesso à renda. É um lugar que se controla a renda. É uma das políticas, uma das formas de controlar o acesso à riqueza da população. É um mecanismo também de garantia do privilégio branco, não é à toa que o homem branco ganha mais. Quem estabeleceu essa regra? Por que ele ganha mais? Por que ele trabalha mais? Todo mundo sabe que não é verdade. As mulheres trabalham muito mais horas do que os homens. Por que ele é mais inteligente? Todo mundo sabe que isso também não é verdade. Por que ele é melhor formado? Não é verdade. As mulheres têm maior escolaridade do que os homens. As mulheres brancas têm mais escolaridade do que todo mundo. Então é só um instrumento de privilégio. É assim que a regra do racismo patriarcal estabelece o controle sobre quem vai estar na supremacia e quem vai ser o dominado.

O Instituto Ethos tem um relatório já faz alguns anos que fala que em cargos do conselho de administração das grandes empresas do Brasil, das 500 maiores, 0,02% é mulher negra, ou seja, é só uma que ele encontrou no lugar. A gente vai ver por outro lado… Isso no setor privado, no público vê lá o Supremo Tribunal! Não tem nenhuma mulher negra. Vê o Senado, vê a Câmara! Não só entre os parlamentares eleitos, mas nos funcionários. No Supremo ainda está para julgar a cota de 20% para negros no serviço público.

Maria Sylvia Aparecida (advogada e presidenta da ONG Geledés)

Nós temos que lembrar que o negro parte de um outro lugar. Um decreto legislativo proibia os negros de ingressarem no estudo formal. O negro só vai ter essa oportunidade, salve engano, lá na década de trinta, quarenta, então veja, a defasagem que nós temos em relação à população não negra, aos brancos, então eu acredito que nós devemos adotar cotas para todos os segmentos e áreas de atuação, então nos concursos públicos, nas universidades e por que não até questão trabalhista mesmo, forçar o ingresso do negro em situações mais positivas também dentro do mercado de trabalho?

Anita Canavarro (professora de química da UEGO)

Eu ainda sou muito resistente, por exemplo, quando uma pessoa quer discutir cotas comigo, por quê? Porque ela ocupa um lugar de direito negado. Não é só um direito negado, é um direito sequestrado de uma população. As leis e a ciência e as leis eu falo o direito como ciência, a psicologia com a frenologia, o direito como direito penal quando se penalizou no país a capoeira, a medicina quando Nina Rodrigues começa a estudar os mestiços como classe perigosa, o direito de aquisição à terra, não se pode comprar terra no país quando você é um liberto. 

Então todos esses lugares construídos pela ciência e pelo Estado brasileiro delegaram um lugar marginal para a população negra brasileira. Esse lugar a gente sabe aonde está. É a cadeia que tem cor, é a periferia que tem cor, é a miséria que tem cor, é o genocídio que tem cor. A gente sabe que esses lugares têm cor. Nós temos 516 anos, 350 vividos sobre regime de escravidão. Eu preciso que esse povo que é o meu povo esteja representado para que a gente consiga falar dessa demanda desse corpo negro. É diferente falar desse corpo, por exemplo, nos postos de trabalho. Eu estou falando que existe um modelo esperado para esse posto de trabalho e esse é o sujeito universal que é o homem branco.

Rosa Marques (Rede de Mulheres Negras de Pernambuco)

As mulheres negras continuam sendo vistas como objetos e como mercadoria de baixo valor, então nós temos que receber menos, aí eu me pergunto: nós temos? Porque se nós temos a mesma capacidade, nós estamos no mercado de trabalho competindo com homens e mulheres sejam lá de que raça, etnia e classe social, por que nós temos que receber menos?

É tão cansativo ouvir as mesmas coisas, sabe? Ouvir que a mulher, de uma forma geral, recebe menos do que os homens, aí quando você vai dar um recorte de raça, as mulheres negras recebem menos do que o homem negro, do que o homem branco, do que a mulher branca. Gente, para que está feio, né!

Maria Sylvia Aparecida (advogada e presidenta da ONG Geledés)

O negro hoje tem uma dificuldade muito grande para o ingresso no mercado de trabalho formal e quando nós falamos de mulher negra, nós temos aqui os dados estatísticos que essa mulher recebe até 30% apenas do salário do homem branco. Então, para exemplificar, o homem branco recebe mil reais para uma determinada atividade e a mulher negra recebe trezentos ou quatrocentos reais muitas vezes para a prática da mesma atividade.

Dra. Jurema Werneck (médica e diretora da ONG Crioula)

Não é à toa que nós somos as mais pobres as mulheres negras, porque, de fato, controla o salário através do salário baixo, ainda que seja pela mesma função, atribuição, continuamos ganhando bem menos, não temos reconhecimento na produção, porque o trabalho da mulher e o trabalho da mulher negra sustentam a sociedade, todo ele. Eu não estou falando só do trabalho no âmbito doméstico, todo o trabalho. Garante a reprodução da sociedade, grande parte das educadoras, a maioria das profissionais de saúde. Garante a existência dessa sociedade e ainda assim são minoria. Jornalista… a maioria das redações hoje em dia são de mulheres também e os editores são quem?

Rosa Marques (Rede de Mulheres Negras de Pernambuco)

As pessoas dizem “estuda, porque você vai mudar um pouco a tua vida”. Aí você estuda. Você faz graduação, continua no subemprego. Você faz mestrado, continua no subemprego. As relações de trabalho são competitivas, mas a mulher negra sempre vai ser escanteada. 

Eu fico observando, caramba, eu sou uma pessoa extremamente capacitada, eu sou capaz, mas em três organizações não governamentais que eu trabalhei de Pernambuco a Brasília, eu descobria depois que o meu salário era menor e a gente vai aprendendo a fazer leituras mais adiante. Logo no início não, que você acha que está tudo normal, aí quando você leva a primeira rasteira que alguma companheira sua diz assim: “vem cá, tu sabes que tu ganhas menor do que fulano fazendo a mesma coisa?” Eu já estive numa organização onde o meu salário era oitocentos reais e as outras pessoas recebiam dois mil cento e vinte.

Muitas pessoas dizendo: “eu não entendo por que tu estás aí no lugar que está”, mas eu sei por que eu estou. Porque uma mulher negra não pode estar em determinados lugares. Ela não pode ocupar o mesmo espaço que uma mulher branca e que um homem branco.

Dra. Elisangela de Jesus Santo (cientista social e professora do CEFET)

As mulheres negras são grandes cuidadoras. São as mulheres negras que cuidam dos filhos inclusive das mulheres brancas ainda. Portanto, essa dimensão do cuidado, essa dimensão da sociedade patriarcal machista e do racismo que vê ainda a mulher negra no lugar de cuidadora, de quem serve, que está disponível, inclusive às vezes até sexualmente, que no imaginário social ainda infelizmente perpetua essa ideia que a mulher negra na universidade é um lugar que ela não deve estar e se ela está, ela está num lugar de subalternidade, portanto ela não está numa dimensão de intelectual, de produtora de conhecimento, mas sim numa dimensão subalterna.

Flavia Souza (coreógrafa e coordenadora do Grupo Afrolaje)

Enquanto mulher negra sempre tive uma grande dificuldade, por quê? Porque ou eu era a única negra do espaço que estava fazendo o trabalho. Isso parece ser normal ou ser privilegiada, mas não era. Para mim enquanto ativista, nunca vi isso como normalidade. Sempre questionei a dificuldade de ter mulheres e negras, porque quando tinha mais mulheres ou eu competindo com alguma branca, não era para mim, a não ser que eles quisessem trabalhar com uma coisa específica: pesquisa afro, mas se tivesse uma branca que também… Ela sempre… Isso é visível. A gente consegue ver isso na televisão, nas novelas, nos teatros. Nós não somos a maioria, nós mulheres negras especificamente.

Joice Soares (doutoranda em História- UERJ)

Eu desde o meu primeiro emprego sou servidora pública e sempre ouvi em diferentes lugares pelos quais eu passei: “mas você é concursada mesmo? Mas você é servidora mesmo?” Sou. “Mas você ingressou pelo último concurso?” Então aí eu acho importante marcar o lugar de mulher negra. Como assim uma mulher negra pode estar ocupando esse espaço, né?

Dra. Jurema Werneck (médica e diretora da ONG Crioula)

Tinha um negro na faculdade de medicina, o único negro quando entrei e a minha presença negra lá também era única e de estranhar, porque todo o tempo que eu estive na faculdade de medicina, sempre algum dia, quase todo dia alguém me parava para perguntar quem era eu, o que eu estava fazendo ali, porque achavam estranho, porque talvez tivesse uma pessoa perdida que entrou ali por engano. E eu tinha que dizer: “eu sou estudante, eu estudo aqui”. Professor, inspetor, sempre alguém parava para perguntar o que eu estava fazendo ali.

 Anita Canavarro (professora de química da UEGO)

Uma mulher negra tem o seu corpo racializado antes de qualquer alternativa ou proposta para um lugar de trabalho. O que seria isso? Ela é que vai passar pelo critério de boa aparência, por exemplo, porque o modelo de boa aparência não esteve atrelado a ela, não esteve atrelado a seu cabelo, não esteve atrelado a sua formação, porque essa mulher esteve durante muito tempo dentro das casas das outras mulheres limpando, nos lugares de subalternidade e hoje eu vejo muitas mulheres, eu olho para o lado e vejo muitas mulheres, nós somos um número muito diminuto na universidade, mas nós, de fato, estamos ocupando muitos outros lugares. São mulheres produtoras de cinema, são mulheres que estão na frente de organizações, são mulheres engenheiras, mulheres químicas, mulheres professoras, mulheres advogadas e essas mulheres de certa forma praticam a sororidade quando elas se organizam e se acolhem.