“As grandes bailarinas têm muito prazer no que fazem, mesmo com o pé todo machucado. Para nós, médicos, é mais ou menos assim”.
A analogia é da médica pneumologista e pesquisadora da Fiocruz, Margareth Dalcolmo, um dos ícones da ciência brasileira no combate a Covid-19.
Em entrevista ao Mulheres de Luta, Dalcolmo contou um pouco sobre sua história, percepções da saúde no Brasil e experiência como cientista durante a pandemia.
“Eu sou Margareth Dalcolmo. Eu sou médica e tenho 41 anos de formada. Sou formada pela Escola de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de Vitória, onde estudei os meus anos de universidade até o 5° ano. Depois terminei no Rio de Janeiro e aqui fiquei, onde fiz toda a minha formação, onde havia passado a minha infância.
Eu venho de uma família com muita pouca tradição médica. Minha família é uma família de juristas. Pai, irmã, tias, avós. De modo que eu fui criada em um ambiente que não tinha tanto estímulo para ser médica. Mas eu sempre tive jeito de lidar com as pessoas, embora fosse uma criança muito reservada, muito estudiosa. Gostava de ler, não gostava de praticar esportes. Não era uma criança muito sapeca, como costumam ser as crianças.
Eu havia passado toda minha adolescência dizendo aos meus pais que eu iria ser diplomata, porque eu sempre li muito, eu tinha muito interesse. Eu cresci com o Mapa Mundi no meu quarto, onde eu botava uns alfinetinhos coloridos. Eu dizia, “Eu vou aqui, eu vou ali”, ao longo da vida. Depois ao longo da vida, eu pude ir fazendo um pouco isso pelas minhas andanças pelo mundo, seja trabalhando, seja conhecendo. Aos 17 anos e meio, eu tive uma reflexão bastante madura para uma adolescente e disse aos meus pais que eu não seria diplomata. O Brasil estava em um momento difícil, era o governo militar. Muitos amigos e colegas meus estavam sendo presos, inclusive. Eu disse, “Eu quero ser médica.” Meus pais ficaram um pouco surpresos, porque eu vinha de uma formação de humanas. Eu não vinha de uma formação de exatas. E mesmo assim, eu disse “Eu já resolvi o meu problema. Eu vou ensinar aos meus colegas as áreas que eu sou mais forte, eles vão me ensinar onde eu sou mais fraca.”
E assim foi. Eu passei muito bem no vestibular e nunca tive um momento de hesitação. Eu sempre adorei tudo o que fiz e eu fiz bastante coisa ao longo desses 41 anos, enfim. Descobri muitas coisas, descobri talentos que não sabia que tinha, enfim. Tive belos exemplos ao longo da minha formação médica, tive belas inspirações, eu diria. E sem dúvida nenhuma, uma formação que hoje me deixa à vontade para ensinar, para refletir junto com os meus jovens. E essa é a contribuição que eu espero estar fazendo neste momento.”
De acordo com o UNFPA, Fundo de População das Nações Unidas, houve predominância das mulheres na força de trabalho da saúde, especialmente na linha de frente ao combate da Covid 19. Segundo o IBGE, 65% dos mais de seis milhões de profissionais atuantes no setor público e privado de saúde são mulheres. Em carreiras como fonoaudiologia e nutrição elas ultrapassam 90%. 69,2% dos profissionais da administração direta da área da saúde do Brasil são mulheres. Essas são as profissionais com as quais Margareth Dalcolmo convive em seu dia a dia de trabalho. Desde criança, Margareth teve muitas referências femininas em sua vida, seja no cotidiano ou em posições de destaque que estimulavam os sonhos de outras meninas.
Eu tive muitas mulheres inspiradoras, não apenas na ciência. Na literatura, por exemplo, eu sou de uma geração que lia quase como uma cartilha de reflexão humana. Autoras como Simone Beauvoir. No Brasil, Lygia Fagundes Telles, Clarice Lispector. Então, essa literatura feminina foi muito forte na minha formação. E das mulheres cientistas, eu sempre tive uma paixão, eu dizia brincando mais nova que eu poderia ir naqueles programas de televisão responder aquelas perguntas de sabatina sobre a vida da Marie Curie, que foi um exemplo enorme pra mim, uma mulher extraordinária, fora do tempo, enfim. Prêmio Nobel duas vezes. Depois também um outro Prêmio Nobel mulher que é a Professora Rita Montalcini Levi, uma grande neurocientista italiana. Uma mulher extraordinária que viveu até os 103 anos. E no Brasil, eu tive e tenho colegas extraordinárias, mulheres. Só para dar outros exemplos mais recentes, agora durante esse papel na Covid-19, virologistas como a Professora Esther Sabino, como a Professora Marilda Siqueira, da Fiocruz. São mulheres de uma força, de uma dedicação ao que fazem. E colegas minhas, contemporâneas, que são não só contemporâneas, como são exemplos pra mim. Então, todos esses, eu diria sem nenhum temor de ser retórica, tantas mulheres que tem trabalhado de maneira quase anônima e que tem de mim a minha total admiração. Ao longo desses dois anos de pandemia, eu vi, eu participei, eu visitei muitos trabalhos grandes, seja pela Fiocruz, seja por outras iniciativas e vi mulheres incríveis, profissionais de saúde, médicas trabalhando em projetos de grande envergadura, em comunidades carentes e assim, com uma dedicação. Então, eu diria assim, sempre que eu posso, eu dedico a essas quase anônimas, um exemplo que são muita inspiração para os mais jovens, sobretudo.

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