Você já ouviu falar de Maria Firmina dos Reis?
Natural de São Luiz, capital do Maranhão, ela veio ao mundo no ano da Proclamação da Independência do Brasil, em 1822.
É filha de Leonor Felippa dos Reis com João Pedro Esteves, um homem de posses para quem a mãe trabalhou. Não consta o nome paterno em sua certidão de batismo.
Assim nasceu Maria Firmina dos Reis, uma criança afrodescendente fruto de um caso fora do casamento. Ela ficou órfã com apenas 5 anos, quando foi acolhida na casa da tia materna. Moraram na vila de São José de Guimarães.
Desde então, Maria Firmina dos Reis se viu inspirada pelo universo literário. Quando mais jovem, estreitou suas vivências com referências culturais e também parentes ligados ao meio cultural. Como a um dos mais populares gramáticos da época, Sotero dos Reis.
Anos mais tarde, Maria Firmina dos Reis não havia desistido do sonho das letras. Após se tornar professora, foi a primeira mulher a ser aprovada em um concurso público no Maranhão. Era para o cargo de professora de primário.
Nessa época era um costume festejar os mais novos aprovados com um desfile, onde homens pretos escravizados os carregavam nas costas. No entanto, Maria Firmina dos Reis, com muita fúria e força, se recusou a participar desse circo de horrores. Esse foi um dos muitos protestos que viriam ao longo da sua marcante trajetória:
— Escravos não são bichos para levar pessoas montadas neles.
— Por qualquer modo que encaremos a escravidão, ela é, e sempre será um grande mal. […] O escravo é olhado por todos como vítima – e o é. O senhor, que papel representa na opinião social? O senhor é o verdugo – e esta qualificação é hedionda”, diz um trecho de sua obra, A Escrava.
Usava as letras como arma de revolta, daí se tornou a primeira mulher brasileira a lançar um romance. Além de, claro, uma referência feminina na luta contra a escravidão.

O dia 11 de agosto de 1860 foi estrondoso, pois assim que se folheava as primeiras páginas do jornal A Moderação, já se via estampado o título Úrsula, de sua primeira obra. Continuamente, décadas mais tarde, ela ainda seria considerada o primeiro pontapé na luta antiescravista na literatura em todos os países de Língua Portuguesa. Até antes de outros contadores de história, como Castro Alves, com sua obra Navio negreiro, ou de Bernardo Guimarães, com A Escrava Isaura.
Mulheres não podiam assinar seus próprios nomes, pois no século XIX apenas homens tinham esse direito. Por isso, assinou apenas como A Maranhense, mostrando suas bandeiras a favor das mulheres e o povo preto, que eram injustiçados e oprimidos. Africana Preta Susana, uma das personagens de Úrsula, trazia pensamentos como este:
— Meteram-me a mim e a mais trezentos companheiros de infortúnio e de cativeiro no estreito e infecto porão de um navio. Trinta dias de cruéis tormentos, e de falta absoluta de tudo quanto é mais necessário à vida passamos nessa sepultura até que abordamos às praias brasileiras. […] É horrível lembrar que criaturas humanas tratem a seus semelhantes assim e que não lhes doa a consciência de levá-los à sepultura asfixiados e famintos!
O livro de Maria Firmina dos Reis fala de amor e ódio, de escravidão e liberdade, através da história de amor entre Úrsula e Tancredo, que começa quando Tancredo sofre uma violenta queda de seu cavalo. Sem sentidos, ele é salvo por Túlio, um jovem negro e escravo que o leva até a fazenda de Úrsula. Ela cuida do enfermo, e com timidez toca-lhe as mãos. Sente, então, as do doente ardentes como a lava de um vulcão. E assim se apaixonam.
Nessa história de amor, o jovem casal enfrenta dificuldades que podem impedir a sua felicidade. O livro vai rumo a um destino trágico ou a um final feliz, ambicionado pelas leitoras de folhetins do século XIX. No entanto, a obra é mais do que isso, pois traz os escravos Susana e Túlio como personagens importantes.
Quando Túlio, a quem Tancredo dá dinheiro para comprar a alforria, decide ir embora da fazenda, escuta de Susana sua história. Susana é como uma mãe para ele e conta sobre quando foi capturada na África e transportada em um navio negreiro até o Brasil.
Diferentemente de Túlio, que nasceu escravo, Susana experimentou a verdadeira liberdade. Talvez o jovem, mesmo alforriado, nunca poderá conhecer, dada a realidade do país em que vive.
Falando um pouco do contexto histórico da época, Maria Firmina dos Reis viveu no Brasil do século XIX. Entre os principais acontecimentos do período estão a independência do Brasil, proclamada por D. Pedro I.
Esse acontecimento estimulou o sentimento nacionalista nos artistas e propiciou o surgimento, em terras brasileiras, do romantismo. Outro fato histórico relacionado à escrita romântica foi o surgimento dos movimentos abolicionistas.
Foi por meio desses movimentos que leis como a Eusébio de Queirós, em 1950, foram promulgadas. Essa lei proibia o tráfico negreiro. Também a Lei do Ventre Livre, em 1871, decretava a liberdade dos filhos de escravas que nascessem a partir da data de promulgação. Outra foi a Lei dos Sexagenários, em 1885, que dava liberdade aos escravos com 60 anos ou mais. Até que, por fim, a Lei Áurea, em 1888, aboliu a escravidão no país.
Maria Firmina dos Reis era grande! Formou-se professora, mas também era poeta e contista. Como se não bastasse, também publicou ficção, crônicas e até charadas! Mas parte das suas paixões foi ser uma forte influência na educação. Oito anos antes da Lei Áurea, formou a primeira escola mista, onde meninos e meninas estudavam juntos. Essa escola foi a primeira do estado, e uma das primeiras do país.
Naquela época, havia apenas outras instituições, onde se estudava separado por gênero. E foi o maior burburinho na cidade de Maçaricó — Maranhão —, pois era novidade que famílias que não podiam pagar pelos estudos vissem suas crianças aprendendo.
Muitas outras histórias guardavam Maria Firmina dos Reis nos punhos, e uma das mais especiais era Gupeva, lançada em 1861. Em formato de conto, trata de uma indígena que faz parte do primeiro povo do Brasil, e de sua filha Épica.
As páginas mostram como a personagem se apaixonou por um marinheiro francês, Gastão, descobrindo tempos depois que era seu irmão. Ele havia sido gerado de sua mãe, falecida, com um conde francês.
Outra boa história de Maria Firmina dos Reis é Cantos à beira-mar, publicado uma década depois, em 1871. O livro é uma junção de 56 poemas em uma homenagem à mulher de sua vida, Leonor Felippa dos Reis, sua mãe. A autora viveu a maior parte de sua vida na cidade litorânea de Guimarães, inspirada pela praia e o mar.
A última publicação foi um conto, chamado A Escrava, lá em 1887, e aqui ela demonstra uma postura firme, assim como seu próprio nome, para dar voz às mulheres escravizadas. Carregava nossa atenção aos castigos físicos que elas sofriam, a ausência de liberdade e a mais cruel das punições: a separação de mães e filhos. É uma história de terror, mas baseada em fatos reais.
Maria Firmina dos Reis, como seu próprio nome diz: a que questionava os líderes e recusava qualquer palavra que não fosse a igualdade e liberdade de todos. Morreu aos 95 anos, na beirada de 1917, quando já lhe faltava a visão para enxergar a mudança que suas obras fariam no próprio país.
Para todos que foram, são e chegarão, que essas palavras não se deixem apagar, pois foram os passos iniciais desse caminho. Caminho para que hoje o reconheçamos como um lugar que abriga menos injustiças, ainda que presentes, no nosso Brasil:
“Mesquinho e humilde livro é este que vos apresento, leitor. (…) Sei que pouco vale este romance, porque escrito por uma mulher, e mulher brasileira, de educação acanhada e sem o trato e a conversação dos homens ilustrados, que aconselham, que discutem e que corrigem; com uma instrução misérrima, apenas conhecendo a língua de seus pais, e pouco lida, o seu cabedal intelectual é quase nulo.”
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