Mulheres, conhecimento e liderança

No episódio Conhecimento e Liderança da série A Mulher no Mercado de Trabalho da Lascene Produções, as entrevistadas compartilharam informações importantes sobre a presença da mulher na pesquisa acadêmica e nos cargos de liderança.

Apesar das mulheres ocuparem cerca de 60% das vagas em Universidades, temos um número muito menor de pesquisadoras no CNPQ, por exemplo. No mercado de trabalho, as funções relacionadas à liderança ainda são ocupadas majoritariamente por homens, e isso também impacta em uma diferença salarial.

O censo de 1970 apontava que as mulheres ganhavam 56% dos rendimentos dos homens, atualmente esse número está em 70%. Houve mudanças, mas ainda não existe paridade. 

Para continuar transformando essa realidade, as entrevistadas abordaram o assunto fornecendo uma perspectiva abrangente sobre o tema. 

O episódio apresentado pelo Mulheres de Luta entrevistou a Dra Hildete Pereira de Melo, professora do Instituto de Economia da UFF; Adriana Ramos Costa, professora do IBMEC e doutoranda em direitos humanos pela UFRJ; Dra Lena Lavinas, professora do Instituto de Economia da UFRJ;  Fernanda Paes Leme, advogada da OAB-RJ e professora do IBMEC; Maira Franca, Economista e Pesquisadora do IPEA; Dra Carla Rodrigues, professora do Departamento de Filosofia da UFRJ; Anita Canavarro, professora de Química do UFGO; Joice Soares, doutoranda em História pela UFRJ; Dra Jurema Werneck, médica e diretora da ONG Criola; Dra Helena Hirata, socióloga e pesquisadora do CRESPPA-FR; Dra Carla Rodrigues, professora do Departamento de Filosofia da UFRJ; Dra Cecília Salgado, pesquisadora de Ciências Matemáticas da UFRJ; Amanda André de Mendonça, professora da UNESA e doutoranda da UFF; Priscila da Cunha Bastos, professora do Colégio Pedro II; Julia Paiva Zaneti, técnica em assuntos educacionais do Colégio Pedro II.

Transcrição do vídeo:

Os rendimentos das mulheres ao longo do século 19 para cá, ele sempre foi diferenciado. As mulheres sempre foram entendidas como uma força de trabalho secundária. Elas eram usadas, como as crianças também foram, como buchas de canhão na luta de classe.

A mulher, no mercado de trabalho hoje, ela enfrenta ainda muitos desafios, porque ainda vivemos em uma cultura machista, ainda vivemos em um país de estruturas, do patriarcalismo. Então, apesar de muito já ter sido feito, pelas mulheres que nos antecederam abrindo essas portas, temos ainda muito a fazer.

Salas de aulas, nós temos aí, pesquisas que apontam que 60% num geral, é composto por mulheres. Enquanto que, na própria carreira acadêmica, nós temos pouquíssimas mulheres que são mulheres pesquisadores 1 do CNPQ. Então, as mulheres vão ali, sendo interrompidas na sua carreira. O mesmo acontece no mercado de trabalho das corporações. Pouquíssimas mulheres ainda têm ali cargos de chefia.

Um levantamento feito pelo IPEA, mostrou que quando se pergunta às empresas o motivo pelo qual tem poucas mulheres, primeiro é uma surpresa, né? Como se não fosse óbvio a existência de poucas mulheres ali nas mesas de diretoria. E depois, uma das questões que foi colocado é que, muitas vezes, as mulheres não querem ocupar postos de comando. Isso não me parece ser uma verdade quando se volta a pergunta para a própria mulher.

Cerca de 17% dos cargos de chefia do mundo, estão nas mãos das mulheres. O Brasil não é diferente do resto mundo. Essa é uma luta das mulheres, quer dizer, tanto é que quando sai uma mulher presidindo um grupo econômico importante, tipo da GE, aí é manchete em todos os jornais. Mas quando você faz programas para garantir distribuição de renda para a população mais pobre, você dá o comando pra elas. Então, as mulheres são ótimas para administrar a pobreza. Agora, não para administrar o capital.

As mulheres, quando elas têm que conciliar trabalho remunerado e enfim, atividades domésticas, que continuam sendo essencialmente uma atribuição feminina, elas acabam escolhendo mais o emprego de tempo parcial, de menores horas, de menor tempo. Isso contribui pra gente ter muitas mulheres no mercado informal. Antes, a ideia era que as mulheres eram mais numerosas no mercado informal porque havia custos muito maiores com licença-maternidade para as mulheres. Talvez, alguns empresários ainda pensem assim, mas é uma minoria.

Em relação aos encargos trabalhistas, enfim, ao afastamento do mercado de trabalho em relação à maternidade, eu não acho que isso assuste o empresário propriamente. Eu não imagino que ele deixe de contratar uma mulher em virtude do fato de que ela pode vir a ter um filho em algum momento. Então, eu não acho que isso assuste, né? Você tem lá, enfim, a previsão, tem a licença-maternidade, tem o afastamento, mas existem outras tantas compensações. Não me parece isso tanto determinante. Mas na tomada de decisão para progressão na carreira, eu acho que isso é determinante, sim. Se eu tiver que escolher para assumir determinado cargo, não vou escolher fulana, que pode vir a ter um filho e que vai me atrapalhar e que vai atrapalhar a empresa.

Então, nós temos poucas mulheres em cargos de direção, não é isso? E quando a gente vai observar, verificam que elas estão mais, quando elas estão ocupando cargos de direção, elas estão em que áreas? Área escolar, que foram setores que não foram efetivamente ocupados pelos homens. Sempre foram deixados ali, a cargo das mulheres. Enfermagem, ainda um pouco na medicina, por uma questão histórica. O homem foi para a guerra, a mulher teve que cuidar, cuidar profissionalmente, então, ela foi estudar, foi se formar ali como médica. Mas, em outras áreas, a gente vê uma participação ainda muito pequena das mulheres nesses cargos de chefia. E eu acho que é um pouco disso. Não é o medo do custo em termos financeiros, mas do impacto na própria gestão.

Não apenas a questão doméstica que dificulta porque ela tem essa obrigação com a prole, tem essa obrigação com a casa, é a própria estrutura também das organizações, que muitas vezes, são organizações que não veem talvez, com bons olhos, a mulher. E apesar da mulher ser aí, a maioria nas salas de aulas da graduação, se a gente for fazer uma análise da progressão de carreira, mesmo na academia, essas mulheres não conseguem neste mesmo percentual, chegarem a estes postos, que são considerados postos de comando.

Na minha área, eu sou economista, tem uma certa discriminação em relação assim, os homens tem mais capacidade intelectual para modelos econômicos e ciências exatas. Mas, na verdade, nós mulheres temos tanta capacidade intelectual para entender ciências exatas, matemática, física e química quanto os homens. É uma coisa que foi socialmente construída dessa forma. Eu acho que na economia, isso é muito presente.

Há um código prévio que define o que é da natureza do masculino e o que é da natureza do feminino. E um desses códigos que a gente não sabe direito quem escreveu, diz que homens são mais interessados ou mais voltados, ou mais aptos a fazer ciências exatas. Enquanto as mulheres são mais voltadas ou mais aptas a fazer ciências humanas. Como as exatas pagam mais do que as humanas, então, a diferença salarial seria da ordem da natureza, né? Não. Não é!

As funções das mulheres sempre estiveram atreladas dentro dessa sociedade patriarcal à funções de cuidado: do cuidar, da missão, do doar. E aqui, a gente está falando que alguns… essa interdição desse corpo feminino, algumas profissões que são naturalmente destinadas a essa mulher. Durante muito tempo também, a gente ouviu essa cristalização de polos divergentes, ciências humanas e ciências exatas, né? Mas a ciência constrói modelos. Esses modelos são construtos teóricos. Esses construtos são frutos da produção humana.

Então, não faz o menor sentido em falar ciência não humana, né? Todas as ciências são humanas. Não só por isso, mas também porque esse corpo feminino não pode estar interditado a uma missão do cuidado, né? Eu posso fazer mais do que cuidar. Cuidar é mais do que está associado às profissões de doação, como dar aulas. Isso não existe. Nós passamos por um processo de profissionalização docente que envolve 4, 5, 10 anos de formação. Então, nós estamos também ali no serviço. Nós somos profissionais da educação. Nós não estamos em uma missão de dar, de oferecer cuidado ali. Isso, então, essa estrutura, ela acabou afastando as mulheres da ciência, né?

Os exemplos que a gente vê nas aulas de ciência são de cientistas homens. A gente pede a uma menina numa sala de aula para que ela cite uma mulher que ela leu ou alguma descoberta de mulher e essa menina tem dificuldade, né? Assim como as nossas estudantes universitárias tem dificuldades em fazer isso. Quando a gente faz um recorte de raça, isso piora. Se a gente perguntar “Quantas mulheres negras você leu? Quantas mulheres negras cientistas você conhece?”, isso é uma invisibilização total da presença dessa mulher. Mas essa mulher, ela existe, ela produz.

É uma inquietação que me surgiu sobretudo porque quando eu fui olhar basicamente as minhas referências teóricas para escrever minha tese, 90% são homens. E aí, eu fico me perguntando: cadê as mulheres? Onde as mulheres estão?

Se eu perguntar para a sociedade, “Cite o nome de uma cientista”, se for bem instruído vai dizer Madame Curie. Se for bem instruído. Senão, não saberá o nome de uma cientista. A radioterapia onde a humanidade inteira cura os canceres, é invenção da Madame Curie. A Madame Curie ganhou 2 Nobéis. O primeiro, ela dividiu com o marido e mais um outro pesquisador. Só o segundo, porque o marido dela já tinha morrido, ela ganhou sozinha. Eles não tiveram como não dar o Nobel para ela.

Mas no caso brasileiro, as pessoas nem sabem que a gente só produz soja e só nos tornamos o segundo produtor de soja do mundo, e o serrado brasileiro só produz e tornou o Brasil esse grande exportador do agronegócio (algodão, soja), porque uma mulher comandava um laboratório aqui na Universidade Federal Rural, em uma pesquisa em conjunto com a AMBRAPA, pesquisou e conseguiu que o serrado brasileiro que não era agricultável se tornasse agricultável, e essa expansão da soja. E (……) ganharia o Nobel se ela tivesse pesquisado nos Estados Unidos. Como ela pesquisou no Brasil, ninguém ganha prêmio de Ciências abaixo do Equador. A gente só ganha prêmio de Literatura ou da Paz. Para você ver como a Ciência também é cravada, né? É eurocêntrica, branca e masculina.

No ambiente acadêmico, você é sempre a minoria. Uma minoria desqualificada. No meu caso, como mulher negra, eu era minoria inesperada, inclusive. Para alguns, até inaceitável. Mas as mulheres como um todo, nós somos a maioria na academia, né? Mas o controle continua na mão dos homens brancos. Eles não são mais inteligentes que nós, nem mais preparados do que nós, nem mais bonitos do que nós. É que é um jogo, a série de regras, a regra de mecanismos é para lhe favorecer. Para lhe empurrar para frente e colocar as mulheres para trás e as mulheres negras lá no final da fila.

O CNPQ, por exemplo, que é a maior agência de financiamento de pesquisas que a gente tem no país, se eu não me engano, foi fundada em 1936. Ele lança o primeiro painel “Pioneiras da Ciência”, em 2012. São 61 anos de silenciamento. E quando você vê um recorte de raça para esse painel, você não vê uma mulher que não é branca presente nesse painel. Nós temos associações. A Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, que reivindicam um lugar para essa mulher nesse painel e logo depois, aparece, por exemplo, a Virginia Bicudo integrando um novo painel da ciência. Mas esse distanciamento, ele é uma herança do molde da sociedade. A escola e a profissionalização que essa escola, essa instituição escolar oferece, é o microcosmo da nossa sociedade. Se a sociedade tem o discurso patriarcal, oligárquico, que interdita a corpo feminino, a escola o fará também.

Resolvemos em 2014, fazemos uma homenagem às mulheres que tem a bolsa de produtividade e de pesquisa mais alta do Brasil. Olha, foi muito interessante. Nos encontramos, mais ou menos, se o espirito não me engana, 278 homens, que tinham 40 naquele momento ou que iam completar 40. Sabe quantas mulheres? 23 em um dia. No outro, só tinha 22. Uma vigésima terceira, o comitê do CNPQ havia se reunido na véspera e como o currículo dela não estava bom, ela tinha sido rebaixada. Então, 2 mulheres, para 278 homens. Uma mulher que tem 40 anos, está em idade reprodutiva ainda. Essa conciliação da carreira científica com a família, é uma decisão dificílima para as mulheres. Quer dizer, negar a maternidade, é um nulo muito forte e que a sociedade não permite. Privilegiar a carreira é uma decisão pessoal que as mulheres esbarram com dificuldades psicológicas grandes. Dessas 22 que tinham. Dessas 22 que tinham, a maioria não era casada, era solteira. São decisões difíceis. Não é fácil ficar solteira a vida inteira, né? A gente quer compartilhar com pessoas que a gente ama, com os filhos e tal.

Muitas mulheres seguem a carreira acadêmica. Eu acho que elas têm uma responsabilidade, pelo menos eu espero que tenha, de romper com a regra do jogo, de desmascarar a regra do jogo. Ajudar as outras mulheres que entram, as estudantes em particular, a conhecerem a regra, que jogo é aquele e começar a desenvolver ferramentas para derrubar isso. A academia não pode ser vista como essa morada do privilégio do homem branco, esse lugar que oferece todo o arcabouço teórico, que justifica o privilégio do homem branco no mundo inteiro. É preciso quando agir pela transformação, mudar tudo. Como diz o Funk, “Tá tudo dominado”, né? Tá tudo dominado mesmo pelo privilégio branco. Então, é preciso quando a gente lute e porquê a gente lute, saber que tem que lutar por tudo. Não existe uma caixinha só, onde tudo vai resolver pra mim e vai deixar tudo solto. Ou a gente muda tudo, ou não vai mudar nada.

Quando você pega o CENSO de 1970, a diferença de rendimentos entre homens e mulheres era colossal. As mulheres ganhavam 56% do que os homens ganhavam. Hoje, nós ganhamos 70. Melhorou. Mas cadê a paridade?

Hoje as mulheres ganham se a gente corrigir pelo número de horas trabalhadas, alguma coisa em torno de 25% a menos que os homens. Isso não muda muito. E não é próprio do Brasil. De novo, é uma característica internacional. Na França, há 50 anos, o (……)salarial entre homens e mulheres é uma coisa de ordem de 20% e também não muda, né? E que reflete o que? A presença justamente do sexismo, da discriminação no mercado de trabalho, porque as mulheres tendem a ser vistas como uma mão de obra de segunda classe, embora não sejam. As mulheres, nas relações familiares tendem a acompanhar os maridos quando eles mudam de emprego. Por que? Como o salário do homem é mais alto, a mulher abre mão do seu emprego e acompanha o marido. Vai pra cá, vai pra lá, né? O custo de oportunidade. Quem vai abrir mão do seu salário? Aquele que ganha menos, certo? E que, portanto, vai acomodar as coisas. A outra coisa é a questão da ascensão funcional nas empresas, etc., como as mulheres ocupam menos funções da alta hierarquia, os salários são menores.

As pessoas que trabalham com o mercado de trabalho, mas não trabalham com a questão das relações de gênero, ficam espantadas. O hiato entre a renda de uma mulher com curso superior e do homem, é colossal. A pobreza, a desigualdade, é menor. Ganhando um salário mínimo, legislação já protege. Quer dizer, ainda tem gente que não ganha salário mínimo, as mulheres sobretudo. Trabalho não pago, trabalho não remunerado, ainda é um trabalho que tem muito mais mulheres do que homens, entendeu?

Quando eu falo em participação feminina, eu estou me referindo à proporção de mulheres que componham a força de trabalho, que são ocupadas ou que estão buscando trabalho. Então, a proporção de mulheres na força de trabalho, é muito menor para mulheres com baixa escolaridade. Porque o salário que é pago às mulheres de baixa escolaridade, é tão pequeno que não compensa a mulher se submeter a um trabalho com uma longa jornada, muitas vezes, 44 horas por semana para receber um salário muito baixo. As vezes, inferior a um salário mínimo. Então, a diferença entre as taxas de participação de homens e mulheres é muito menor para homens e mulheres de baixa escolaridade. Já para homens e mulheres com nível superior, essa diferença não é tão grande assim na participação, mas no rendimento, ainda é muito alto.

Entre operários, entre assalariados no setor de serviços, por exemplo, pessoas que trabalham em escritório, entre técnicos, querem dizer, eu acho que em todas as profissões existe uma diferença salarial entre homens e mulheres. Mas onde a diferença é a maior, é a diferença a nível dos executivos. Os executivos, mulheres, os diretores de firmas, etc., mulheres, ganham bem menos em termos percentuais do que os homens, comparado com outras profissões em que a diferença salarial é menor. Por que essa diferença salarial é tão grande na área dos executivos?

Uma das explicações que a gente tem é que, por exemplo, nos bancos, os executivos que trabalham nos bancos, eles têm subordinados homens e mulheres. Então, eles têm uma tarefa de direção. Direção de um certo número de homens e mulheres que eles comandam. Enquanto que as mulheres executivas em bancos, elas em geral, vão ter o trabalho de cuidar de pessoas físicas. Elas vão ter clientes, mas elas não têm subordinados. E a existência de subordinados sempre implica em maior salário, porque é maior responsabilidade. As mulheres executivas tem menos responsabilidades, confiam a elas menos responsabilidades que se confiam aos homens. Maiores responsabilidades, representam maiores salários.

“Salários iguais para funções iguais.” Essa bandeira tem sido sistematicamente desqualificada dizendo que sim, que as mulheres que ocupam funções iguais aos homens, por exemplo, uma mulher que seja gerente, ganha a mesma coisa que um homem que seja gerente. Muitas vezes, é possível que isso seja verdade, mas isso não é suficiente por algumas razões machistas. Uma é que provavelmente ela tenha menos possibilidades de passar de gerente à diretora do que todos os outros gerentes. A segunda é que, provavelmente, na condição de gerente, ela deve estar sendo orientada a fazer trabalhos mais subalternos do que os gerentes masculinos.

Então, é muito comum, por exemplo, que num grupo de 4 gerentes, um deles é mulher, ela tome funções de secretariado do grupo, porque historicamente, as mulheres sempre foram colocadas para trabalhar em funções subalternas. Então, mesmo quando ela está em uma função formal igual supostamente aos outros funcionários, ela é posta em condições subalternas. Então, o ambiente de trabalho, de alguma forma, ele coloca naquele microcosmos várias questões que se reproduzem em outros ambientes. A própria coisa de que uma mulher que falta ao trabalho porque o filho está doente, é entendida como um problema. Um homem que falta ao trabalho porque o filho está doente, é um exemplo de pai.

A discriminação de gênero é uma realidade. Ainda que não seja uma discriminação direta, a gente sente. A gente sente quando você escuta alguém comentando, “Eu ia te convidar, mas não te convidei porque você tem filho.” Não sei no que o meu filho atrapalha no desenvolvimento da minha atividade. Quando a gente vê a organização, por exemplo, dos eventos jurídicos, dos congressos, das palestras, você pega lá o hall de palestrantes, majoritariamente são o que? Homens. Às vezes, você tem lá, participação de 10, 15% de mulheres. Mas majoritariamente são homens. Mas por que? Não tem mulher que saiba falar sobre isso? E tem uma porção.

Eu observo não só aqui no Brasil, mas nos Estados Unidos eu observei, com amigos que estão lá e muitos dos cargos de burocracia são ocupados por nós. A gente diz “Sim”. Mulher diz “Sim” com mais facilidade. Eu tenho observado isso. Eu vejo isso. A mulher, falam pra você, “Olha, vai ser responsável por todos os diplomas, documentos, não sei o que.” Aí, a mulher, “Ah, pô, eu tenho meus filhos, eu tenho isso, tenho aquilo. Mas tudo bem, a gente encaixa.” E também observo dentro, desde a escola, até alunos meus na Faculdade e com meninas mais velhas já estabelecidas a falta de confiança que a mulher as vezes tem, porque ela escutou da sociedade e se ela é boa, ela não consegue aceitar. Enquanto que, se você pega um aluno de faculdade, enfim, homem que é bom, razoável para bom, o ego já começa. Ele sabe que ele é bom, já falaram 500 vezes para ele que ele é bom, já chamaram ele ali, “Você vai ficar, a gente vai te motivar, a gente vai te ajudar”. Com a mulher isso acontece muito menos.

Parece que a competência do homem é uma competência priori, né? E a competência da mulher, é uma competência que ela tem que conquistar ao longo da sua carreira.

É muito difícil. Eu já tive ocasiões de viver em lugares, de ter posições em organizações internacionais onde nós mulheres éramos menos de 20% e é muito difícil, porque é uma pressão, é muita violência, é uma violência que se expressa em cobranças, etc., em desempenho e é um desempenho que nunca é satisfatório.

Eu já me senti vítima de discriminação, tanto na academia quanto no mercado de trabalho. Eu acho que eu fui me dar conta disso já mais no meio da graduação. Quando eu entrei, ainda não tinha essa formação feminista e ao longo da graduação, eu fui percebendo como que essa desigualdade acontecia, o privilégio que os meus colegas de turma homens tinham em relação a tempo de estudo, porque chegavam em casa e não precisavam executar as tarefas domésticas ou esse compromisso com cuidado. Eu acho que mais recentemente, quando eu me tornei docente do ensino superior, eu enfrentei isso de forma mais dura, “Nossa, é tão bonitinha! Mas será que ela tem condição realmente de entrar em sala de aula e encarar uma turma de ensino superior?”

Eu sofri assédio de professores ou então, se você produz um texto, o seu texto só é bom se você assina junto com um professor que está ali dando respaldo ao seu conhecimento e geralmente, esses professores são homens.

Você está tentando falar, né? Desenvolver um raciocínio e os caras te interrompendo, querendo explicar o que você está dizendo, sendo que você nem conseguiu terminar de falar. Ou em alguns grupos, algumas partes, já achar que você tem que fazer o cafezinho, porque “você sabe fazer, eu não sei”. Eu sou mulher e também não sei, (……), enfim.

Eu acho que a gente tem que entender que é sexista, sim, entendeu? E que a gente ainda tem essa coisa da ascensão, da autoridade como uma atribuição masculina. Mas não é só isso. É que os homens estão disputando espaços com as mulheres, cada vez mais. Porque as mulheres se capacitaram, as mulheres estão na concorrência, as mulheres são bem informadas, as mulheres, existem inúmeros estudos internacionais que comprovam através de modelos econométricos, que se as mulheres tivessem as mesmas oportunidades que os homens, o PIB cresceria 20% a mais na Europa, nos Estados Unidos. Por que? Porque é todo um valor agregado que a gente aporta que está sendo desprezado, entende? Então, a gente não está conseguindo levar adiante nossos talentos para poder realmente contribuir para o desenvolvimento, a riqueza dos países.