(Introdução Ana Néri)
Em 13 de dezembro de 1814 nasceu Ana Justina Ferreira, em Vila de Cachoeira do Paraguaçu, na Bahia.
Quando ela completou 23 anos, em 1837, casou-se com o capitão-de-fragata da Marinha, Isidoro Antônio Néri, e passou a ser chamada de Ana Néri.
Com seu marido, Ana teve três filhos: o cadete Pedro Antônio Néri e os médicos Isidoro Antônio Néri Filho e Justiniano de Castro Rebelo.
(Introdução Jovita Feitosa)
Trinta e quatro anos depois do nascimento de Ana Néri, em 1848, Maria Rodrigues de Oliveira e Simeão Bispo de Oliveira davam à luz à Antônia Alves Feitosa, na povoação de Brejo Seco, hoje, município de Tauá, no Ceará.
A menina foi apelidada de Jovita, nome que a acompanhou por toda sua vida.
A família de Jovita era humilde, e não dispunha de recursos financeiros.
Em 1860, aos 12 anos, Jovita perdeu a mãe para o Cólera, doença que dizimou cerca de 12 mil cearenses naquela época.
Por falta de recursos, Jovita foi entregue a um tio, em 1865, e, aos 17 anos, a jovem acabou se mudando para o Piauí.
O tio de Jovita morava sozinho e era regente de um conjunto de Jaicós. Com ele a menina aprende a ler, a escrever e a atirar.
A formação política de Jovita também vem da influência de seu tio. Ele trazia jornais para casa e conversava com Jovita sobre o que estava acontecendo no Brasil e no mundo.
Em 1865, Ana Néri, com 51 anos, já estava com seus três filhos crescidos e criados. Jovita Feitosa estava com apenas 17 anos, e tinha acabado de se mudar para o Piauí.
De alguma forma, a história dessas duas mulheres nordestinas foram ligadas pela Guerra do Paraguai.
A Guerra do Paraguai
A Guerra do Paraguai, que foi uma guerra contra o Paraguai, pode se dizer que começou quando o Brasil invadiu o Uruguai.
Para entendermos o início desse conflito, vamos voltar para 1863.
Naquele ano, Dom Pedro II enviou tropas brasileiras para o Uruguai a fim de apoiar as tropas do General Caudilho Venâncio Flores.
Acontece que havia um conflito dentro do Uruguai envolvendo dois grupos: os blancos e os colorados.
Esses dois grupos surgiram na década de 1830, defendendo diferentes objetivos políticos. Como a presença econômica do Estado uruguaio era muito frágil na época, os cidadãos acabavam tendo que procurar a proteção de proprietários caudilhos locais, que eram colorados ou blancos.
Tudo poderia ter sido evitado, mas os dois grupos tinham conflitos intensos e não havia uma possibilidade de reconciliação. O fato é que esses conflitos também prejudicavam o desenvolvimento do Uruguai.
Acontece que, quando o Brasil decide apoiar o General Caudilho Venâncio Flores, ele acaba tomando partido nesse conflito, porque o general era colorado.
Essa ação contribuiu para a derrubada do governo constitucional dos blancos no Uruguai.
Mas, o que o Paraguai tem a ver com isso?
A gente já vai chegar lá!
Acontece que, nessa guerra, há muitos países envolvidos, direta ou indiretamente.
Então, precisamos apresentar os agentes e os fatos que ocorreram antes do início da guerra.
A Argentina, por exemplo, ficou a favor do Brasil, e a partir daí começa a haver uma aliança entre Argentina, Brasil e esse novo Uruguai do colorado Venâncio Flores.
A Argentina, o Brasil e o Uruguai são, portanto, os países diretamente envolvidos, mas precisamos ainda incluir o Paraguai, para continuarmos a história de Ana Néri e de Jovita Feitosa.
No Paraguai, o chamado presidente vitalício, Solano López…
Foi isso mesmo que você ouviu. Ele era o presidente vitalício, ou seja, o presidente eterno, permanente.
Bem, o Solano López começou a se preocupar, e com razão.
Para ele, a invasão do Brasil no Uruguai, apoiando o “colorado”, romperia com o equilíbrio de forças na região.
O Paraguai não tem acesso ao mar, e se a boca do Rio da Prata fosse fechada, o país ficaria bloqueado.
O Paraguai também estava finalmente experimentando o seu desenvolvimento, e uma guerra, ainda mais agora, não seria bem vinda.
Mas, sentindo-se ameaçado, em 1864, o Paraguai, sob comando de Solano López, atacou:
- O Paraguai tomou os navios brasileiros em Assuncion e conquistou a província do Mato Grosso;
- Eles também planejaram atacar as tropas brasileiras no Rio Grande do Sul e no Uruguai, mas para isso precisavam cruzar a Argentina. Pediram autorização à Argentina, mas eles não autorizaram. Mesmo assim, o Paraguai seguiu com o plano e em dezembro de 1864, ocuparam as regiões e declararam guerra ao Brasil, ao Uruguai e à Argentina, ao mesmo tempo.
- Os três países fizeram o tratado da Tríplice Aliança, em 1865, unindo forças contra o Paraguai e dando início efetivamente à Guerra do Paraguai.
(continuação Ana Néri)
Muito antes disso, em 1843, Ana Néri vivia com seus três filhos Pedro, Isidoro e Justiniano. O marido de Ana, o capitão-de-fragata Isidoro Néri, ficava quase sempre no mar, e Ana cuidava da casa praticamente sozinha.
Mas, nesse ano, em 1843, acontecimentos abalaram a família Néri.
Isidoro faleceu a bordo do veleiro Três de Maio, no Maranhão, e Ana terminou de criar os filhos sozinha.
A situação da família pioraria anos depois.
Em 1865, os três filhos de Ana Néri foram convocados para lutar no campo de batalha da Guerra do Paraguai.
(continuação Jovita Feitosa)
Antônia Alves Feitosa, a Jovita, estava vivendo no Piauí em 1865 com seu tio.
Havia nessa época uma sensação de ameaça, de que o Brasil pudesse ser invadido e perdesse seus territórios. Isso reforçou a ideia dos “voluntários pela pátria” e provavelmente esse sentimento também contagiou Jovita.
A menina, atendendo ao chamado militar, alistou-se aos 17 anos para lutar no campo de batalha da Guerra do Paraguai.
No entanto, mulheres não são aceitas como soldados.
Jovita não desistiu. Ela cortou o cabelo e passou a usar roupas masculinas para se parecer com um homem.
Como vimos, Jovita era muito corajosa, mas isso não significa que ela também não tinha medo.
Jovita não tinha medo de morrer em campo de batalha, isso não. Seu temor era o de ser pega disfarçada de homem.
(continuação Ana Néri)
Ana Néri, triste por ter que se separar dos filhos que foram requisitados para a guerra, tomou uma decisão.
Em 08 de agosto de 1865, ela escreve uma carta ao presidente da província, oferecendo-se como enfermeira para cuidar dos feridos da guerra, pelo tempo que ela durasse.
“…que ofereça os meus serviços em qualquer dos hospitais do Rio Grande do Sul, onde se façam precisos, com o que satisfarei ao mesmo tempo os impulsos de mãe e os deveres de humanidade para com aqueles ora sacrificam suas vidas pela honra e brios nacionais…”
Ana Néri
O pedido foi aceito e Ana partiu de Salvador para o Rio Grande do Sul, onde aprendeu enfermagem. Aos 51 anos, Ana Néri integrou o Décimo Batalhão de Voluntários.
(continuação Guerra do Paraguai)
Uma das investidas de Solano López foi a invasão do Mato Grosso que ocorreu em 1864, como vimos lá atrás.
Essas tropas só bateram em retirada no ano de 1868, ou seja, durante esses quatro anos, muitas coisas aconteceram por lá, e a notícia se espalhava.
Um dos objetivos da invasão do Paraguai no Mato Grosso era o de espionagens.
Acontece que a violência perpetrada a partir da invasão, intensificava, assim como o medo e a insegurança da população local.
Muitos habitantes de Corumbá tentavam fugir para Cuiabá ou cidades distantes.
A tropa paraguaia também percorria fazendas, saqueando o que tinha valor. Famílias inteiras eram aprisionadas. Os relatos se intensificaram.
No Piauí, a jovem Jovita estava vivendo o que seria, até então, um pesadelo.
As bandagens que cobriam seus seios, bem como seu chapéu, não foram suficientes para que ela conseguisse manter o disfarce, e Jovita foi descoberta.
Ao ser interrogada sobre os motivos que a fez se passar por um homem e ter se alistado, ela não se deu por vencida.
Aos prantos, Jovita reforçou o seu desejo de ir para o campo de batalha para, segundo ela e de acordo com os historiadores, vingar-se “da humilhação passada por seus compatriotas nas mãos dos desalmados paraguaios”.
Jovita estava provavelmente se referindo também ao Mato Grosso, local em que a violência contra a mulher era constantemente empregada pelos invasores paraguaios.
O caso chamou a atenção de Franklin Dória, na época presidente da Província do Piauí.
Ao se deparar com o caso, ao invés de punir a jovem, Dória decidiu incluí-la no Exército Nacional como segundo-sargento.
Assim, o pesadelo virou um sonho e Jovita partiu para a Guerra como uma celebridade.
Todos estavam curiosos para saber quem era a jovem menina que, como Joana D’Arc, disfarçou-se de homem para ir à Guerra do Paraguai. Entrevistas, jantares, agradecimentos e aplausos acentuavam ainda mais os holofotes sobre a heroína.
Para o Brasil, isso era ótimo pois servia como propaganda para que os homens se alistarem:
- “‘Uma mulher tem mais coragem para defender o país do que seus próprios homens?”, diziam.
Mas, no Rio de Janeiro, Jovita Feitosa teve seu embarque negado pelo Ministro da Guerra que não admitia uma mulher na frente do campo de batalha.
Agora, a batalha de Jovita era para revogar essa ordem. Ela chegou a ser recebida por D. Pedro II, o imperador em pessoa, mas de nada adiantou.
Mas, Ana Néri foi para a Guerra, e esteve perto de seus filhos…
Ela logo se destacou na enfermagem, e mesmo tendo que exercer a função em situação precária conseguiu criar uma enfermaria-modelo em Assunção, que na ocasião estava sendo sitiada pelo exército brasileiro.
Ali, em 1868, Ana Néri perdeu seu filho Justiniano de Castro Rebello.
A tristeza terrível não abalou Ana Néri e ela continuou fazendo o seu excelente trabalho, tanto que foi apelidada de “Mãe dos Brasileiros”.
Ela manteve sua promessa de continuar seu trabalho até o fim da Guerra, que só acabou em 1870.
Em seu retorno, foi condecorada com as medalhas de Prata Geral de Campanha e a Medalha Humanitária de Primeira Classe. Por um decreto do imperador D. Pedro II, Ana passou a receber uma pensão vitalícia para sustentar sua família.
(continuação de Jovita Feitosa)
Jovita não obteve sucesso em sua empreitada. A jovem bem que tentou, mas não conseguiu ir para a Guerra do Paraguai.
Mas, há alguns detalhes da vida de Jovita que são interessantes para compreendermos melhor essa corajosa menina.
Alguns pesquisadores apontam que ela tinha um noivo, que foi mandado à guerra, e por esse motivo ela decidiu se alistar, para estar no campo de batalha com ele.
O noivo pediu que ela esperasse, mas ela preferiu se arriscar, tentando seu alistamento em diversas ocasiões e por diversos caminhos.
No Rio de Janeiro, quando suas tentativas chegaram ao fim, Jovita retornou para Jaicós, e depois de um tempo veio a notícia de que seu noivo havia morrido.
Ela voltou para o Rio de Janeiro e, longe dos holofotes, passou seus últimos dias no anonimato.
(o fim da guerra)
A guerra do Paraguai também teve a participação de escravos brasileiros, com a promessa de que seriam libertados. Assim, o Brasil aumentou ainda mais o número de homens no campo de batalha. Índios também foram praticamente obrigados a aderirem à batalha, seja do lado do Brasil, ou no lado do Paraguai.
No fim dessa guerra, estima-se que 200 mil pessoas tenham morrido, seja no campo de batalha, ou por doenças agravadas em consequência das condições insalubres.
Chegou um ponto em que não fazia mais sentido continuar a guerra, se é que alguma guerra faz sentido.
O que sabemos, é que em 1º de março de 1870, Solano López foi abatido e a guerra finalmente chegou ao fim.
O Brasil e a Argentina contraíram dívidas gigantescas por causa dos grandes empréstimos que fizeram para financiar essa guerra.
(final Ana Néri)
A primeira escola oficial brasileira de enfermagem de alto padrão, de 1923, foi batizada com o nome de Anna Nery.
Em um decreto de 1960, de número N 48.202/60, consta:
Art. 1º – Fica instituída a Semana da Enfermagem, a ser celebrada anualmente, de 12 a 20 de maio, datas nas quais ocorreram, respectivamente, em 1820 e 1880, o nascimento de Florence Nightingale e o falecimento de Ana Neri.
Precursora da Cruz Vermelha é considerada a primeira enfermeira do Brasil, Ana Néri viveu no Rio de Janeiro até 20 de maio de 1880. Ela faleceu aos 66 anos.
(final Jovita)
Jovita faleceu aos 19 anos, em 9 de outubro de 1867, mas sua morte ainda é envolta em mistérios.
Alguns pesquisadores acreditam que ela tenha ido morar com um engenheiro holandes no Rio de Janeiro, e que ele a tinha abandonado. Outra versão diz que ele não a abandonou.
Alguns dizem que ela se suicidou com um punhal cravado em seu coração. Há também uma teoria de que ela tenha morrido em um incêndio.
Mesmo tendo sido esquecida por muito tempo, pesquisadores têm resgatado a história de Jovita Feitosa, que assim como Ana Néri, é uma das poucas mulheres citadas no “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”, que fica em Brasília.
Ainda existe uma outra versão do fim dessa história.
Alguns acreditam que Jovita Feitosa “forjou” a morte e foi para a guerra, vivendo seus últimos dias no campo de batalha, como um soldado.
Referências
- Ouricuri, História e Genealogia, Raul Aquino
- Jovita Feitosa, Kelma Mattos
- MULHERES COMUNS, SENHORAS RESPEITÁVEIS: A presença feminina na Guerra do Paraguai; MARIA TERESA GARRITANO DOURADO.
- Ana Néri, a “Mãe dos Brasileiros”, Biblioteca Nacional
https://www.bn.gov.br/acontece/noticias/2020/05/ana-neri-mae-brasileiros
- Jovita: a história perdida da mulher que quis ir à guerra,Marília Parente
- OS CEARENSES | 18.08.2013 | JOVITA FEITOSA, Canal FDR
- https://www.youtube.com/watch?v=3CJRqQWYpZ4
- A GUERRA DO PARAGUAI | EDUARDO BUENO, Canal Buenas Ideias
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