Em 2022, comemoramos os duzentos anos da independência do Brasil. Esse marco da história brasileira contou com a participação de mulheres que foram verdadeiras heroínas da pátria.
Entre elas, o Mulheres de Luta destaca a atuação da então princesa Leopoldina que influenciou ativamente o então príncipe regente Dom Pedro I. Maria Quitéria que surpreendeu a todos ao se tornar a primeira mulher combatente do exército brasileiro. A abadessa Joana Angélica que arriscou a própria vida para salvar as freiras de seu convento e Maria Felipa que se destacou em estratégia e audácia, tornando-se essencial para a vitória da resistência baiana.
Acompanhe os antecedentes desse momento histórico e o papel dessas mulheres na independência do Brasil.
Antecedentes da Independência do Brasil
Em 1808, a corte portuguesa veio para o Brasil fugindo dos avanços de Napoleão Bonaparte, mas com a derrota do líder em 1815, as monarquias europeias voltaram a ser restauradas. A princípio, Dom João VI decidiu permanecer no Brasil, e para que isso fosse possível ele elevou o país à condição de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Os portugueses não ficaram satisfeitos, e além disso, com a abertura dos portos no Brasil, os lusitanos perderam suas vantagens comerciais.
Em meio à uma crise, Portugal promoveu uma revolução em 1820. Em partes, era uma revolução “liberal”, pois reivindicava maior representação da sociedade nos órgãos públicos, mas também “conservadora”, já que almejava o retorno do Brasil ao status de colônia, exigindo a volta da submissão a Portugal.
O Brasil, obviamente, não queria isso.
Os portugueses também queriam que Dom João VI voltasse para Portugal e ele voltou, levando consigo 4 mil portugueses e todo o ouro que o Banco do Brasil tinha. No entanto, ele deixou seu filho Pedro no Brasil como Príncipe Regente. O retorno de Dom João VI trouxe problemas ao Brasil, começando pela falência do Banco do Brasil e pela volta do cerceamento da liberdade comercial do país.
Enquanto Portugal enviava novos contingentes militares ao Brasil, a coroa também exigia o retorno do príncipe. A partir desse momento um grupo chamado “partido brasileiro” não queria que o príncipe partisse, já que isso poderia significar a volta definitiva do Brasil ao status de colônia.
Após essa breve retrospectiva dos movimentos da independência do Brasil, vamos à participação de Maria Leopoldina, Maria Quitéria, Joana Angélica e Maria Felipa na Independência do Brasil.
Dona Maria Leopoldina, a primeira imperatriz do Novo Mundo
Leopoldina nasceu em 22 de janeiro de 1797 na Áustria. Dois anos após seu nascimento, Napoleão Bonaparte assumia o poder da França, levando à Europa a uma série de conflitos. A fim de fortalecer os laços entre Áustria e França, a irmã mais velha de Leopoldina, Maria Luísa de Áustria casou-se com Napoleão Bonaparte em 1810, o que representou uma derrota familiar à Casa de Habsburgo-Lorena, uma das dinastias mais nobres da Europa da qual Leopoldina fazia parte.
Na infância, Leopoldina Carolina Josefa de Habsburgo-Lorena estudou artes, aprendeu diversos idiomas e se aprofundou em história, filosofia, geografia e política. Conhecimentos que seriam muito úteis ao Brasil.
Leopoldina também se casou para realizar uma aliança, desta vez entre as monarquias de Portugal e Áustria. Seu noivo era o príncipe regente do Brasil Dom Pedro I. A cerimônia foi realizada por Procuração no dia 13 de maio de 1817 e Leopoldina chegou ao Brasil em 6 de novembro de 1817. No Brasil, ela passou a assinar Maria Leopoldina devido à sua devoção à Virgem Maria.
Leopoldina teve um papel importante no processo de independência do Brasil. Enquanto Portugal exigia o retorno de Dom Pedro I, para ela, permanecer na América protegeria as dinastias de Habsburgo e da família Bragança contra os excessos liberais que ameaçavam o poder das duas famílias, mesmo que isso a privasse do convívio com seus familiares.
Em meio a outros movimentos, Leopoldina ajudou a convencer o príncipe de que essa era a melhor decisão. Em 09 de janeiro de 1822, Dia do Fico, Dom Pedro I declara:
“se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto! Digam ao povo que fico”, dando origem ao Dia do Fico.”
Em agosto de 1922 Dom Pedro I viaja a São Paulo e nomeia Leopoldina como chefe do Conselho de Estado e Princesa Regente Interina. Como as ameaças de Portugal ainda eram fortes, Leopoldina aproveitou o momento, e em 2 de setembro de 1822 acionou o Conselho de Estado e redigiu uma carta ao marido recomendando que ele declarasse a independência.
O príncipe recebeu a recomendação de Leopoldina em 7 de setembro de 1822 e declarou a Independência do Brasil. Em 01 de dezembro de 1822, Leopoldina foi aclamada como a primeira imperatriz do Novo Mundo.

Sessão do Conselho de Estado
Em 1822, o Brasil comemorava a independência do Brasil, em 1922 ocorria a Semana de Arte Moderna em São Paulo, mesmo ano em que foi criada a obra Sessão do Conselho de Estado, de Georgina de Albuquerque, quadro que retrata a reunião de 2 de setembro de 1822 do Conselho de Estado do Brasil.
Há 100 anos atrás, a pintora Georgina de Albuquerque rompeu com dois paradigmas em sua obra: realizou uma pintura academicista, que na época era predominantemente feita por homens, e trouxe uma perspectiva de gênero sobre a Independência do Brasil, destacando a participação da princesa Leopoldina.
A obra foi premiada pela Exposição de Arte Contemporânea e Arte Retrospectiva do Centenário da Independência, um concurso que selecionava pinturas que melhor representassem os acontecimentos da independência do Brasil.
A resistência baiana na independência do Brasil
Apesar do Dia do Fico e da Independência do Brasil, as coisas não se resolveram de uma hora para outra. Em algumas regiões do país a opressão dos militares portugueses aumentava. Na Bahia, o protagonismo das mulheres foi decisivo para a vitória do Brasil.
Joana Angélica, a primeira mártir do movimento da independência
Joana Angélica de Jesus nasceu em uma família abastada em 12 de dezembro de 1761. Aos 20 anos, ela ingressou para a Ordem das Reformadas de Nossa Senhora da Conceição no Convento da Lapa, iniciando sua carreira religiosa. Em 1822, aos 60 anos, Joana Angélica era abadessa do Convento.
Quando ocorreu o Dia do Fico, um clima de ódio se alastrou por Salvador, culminando em confrontos violentos. Em 20 de fevereiro de 1822, soldados portugueses tentaram invadir o Convento da Lapa, com o pretexto de que o edifício abrigava “patriotas” e que eles estariam atirando do Convento. A abadessa Joana Angélica defendeu as irmãs que ali estavam. Ela foi para a porta do convento e segundo relatos, disse:
“Para trás, bárbaros! Respeitai a casa de Deus! Só entrarão passando por cima do meu cadáver!”
Um soldado a acertou com uma baioneta e Joana Angélica faleceu na hora.. As irmãs conseguiram escapar e os supostos “patriotas” que estariam escondidos, não foram vistos no local.
Historiadores brasileiros apontam que as tropas portuguesas estavam invadindo edifícios, roubando e matando com o mesmo pretexto: de que tinham testemunhado tiros saindo do local.
A morte da abadessa Joana Angélica fortaleceu ainda mais a resistência, fazendo dela um símbolo. Ela se tornou a primeira mártir da Independência do Brasil.

Maria Felipa de Oliveira, líder de Itaparica na independência
Não sabemos a data de nascimento de Maria Felipa de Oliveira, mas sabemos que ela nasceu na Ilha de Itaparica e foi uma pescadora e marisqueira. Relatos dizem que ela era uma mulher negra, alta e forte que jogava capoeira. Nasceu escravizada, foi libertada, e queria também a liberdade de todo seu povo da dominação portuguesa.
Por muito tempo a história de Maria Filipa ficou esquecida e não era incluída nos festejos oficiais da independência. De acordo com a pesquisadora Eny Kleyde Vasconcelos, que publicou Maria Felipa de Oliveira: heroína da independência da Bahia, os motivos para isso se devem ao fato de que ela era mulher, negra e pobre. No entanto, sua história foi mantida ao longo dos séculos pela oralidade do povo de Itaparica.
Em meados de 1822, os portugueses também começaram a atacar a Ilha de Itaparica. Maria Filipa começou no movimento de retaguarda. À noite, ela se camuflava e acompanhava a movimentação das embarcações lusitanas. Depois ela pegava uma jangada rumo à Salvador para passar informações ao Movimento de Libertação.
A partir daí, ela começou a ir ao combate. Relatos contam que ela juntou cerca de 40 mulheres para seduzir os soldados que foram levados para uma área mais escondida da ilha. Quando eles estavam descontraídos e nus, as mulheres deram neles uma surra de cansanção, uma planta que provoca queimaduras na pele. Enquanto isso, um grupo incendiava as embarcações.
Maria Felipa chegou a liderar cerca de 200 pessoas, incluindo mulheres negras, índios tupinambás e tapuias, e provocou o incêndio de 42 embarcações portuguesas, o que contribuiu de forma decisiva à vitória da resistência baiana.

Maria Quitéria, a primeira mulher nas Forças Armadas Brasileiras
Maria Quitéria de Jesus nasceu em 1792, filha de Quitéria Maria de Jesus e do fazendeiro Gonçalo Alves de Almeida. Em setembro de 1822, a fazenda de Gonçalo recebeu a visita de um emissário que estava recrutando voluntários para lutar contra as tropas portuguesas.
Maria Quitéria chegou a pedir permissão ao pai para se alistar, mas além da negativa que recebeu, o exército não recrutava mulheres. Foi então que Maria Quitéria foi à casa de sua irmã Josefa e pegou as roupas de seu marido José Medeiros. Vestindo-se como homem, Maria Quitéria seguiu rumo à Vila de Cachoeira e se alistou como soldado Medeiros no Regimento de Artilharia. Ela logo foi descoberta, mas seu desempenho não permitiu que o exército a dispensasse.
José Joaquim de Lima e Silva, Comandante chefe do Exército Pacificador relatou:
“Esta mulher tem-se distinguido em toda a campanha com indizível valor, e intrepidez. Três vezes que entrou em combate apresentou feitos de grande heroísmo, avançando de uma, por dentro de um rio com água até aos peitos, sobre uma barca, que batia renhidamente nossa Tropa. O General Labatut conferiu-lhe as honras de 1º Cadete, e como tal tem sido considerado no Batalhão Nº 3 do Exercito Pacificador.”
Maria Quitéria participou dos combates da Ilha da Maré, de Itapuã, da Barra do Paraguaçu e da Pituba. Após a Independência, Maria Quitéria ainda liderou um grupo de mulheres combatentes na foz do rio Paraguaçu, na Bahia. Maria Quitéria foi reconhecida como heroína e Dom Pedro I concedeu a ela o título de “Cavaleiro da Ordem Imperial do Cruzeiro”.
A imperatriz Maria Leopoldina, a combatente Maria Quitéria, a religiosa e mártir Joana Angélica e a estrategista Maria Felipa representam as mulheres que lutaram pelo nosso país, e o Mulheres de Luta relembra a trajetória delas nesse segundo centenário da Independência do Brasil.

Referências
As heroínas baianas da Independência do Brasil. Ensinar História . Joelza Ester Domingues. 2 de julho de 2021. Acesso em 11/01/2022
Maria Felipa de Oliveira: Negra, pobre e heroína. A Verdade. José Levino. 26 de setembro de 2012. Acesso em 11/01/2022
SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti. Entre convenções e discretas ousadias: Georgina de Albuquerque e a pintura histórica feminina no Brasil. Acesso em 11/01/2022.
Maria Leopoldina: conheça o papel da imperatriz na Independência do Brasil. Revista Galileu. 06 de setembro de 2021. Acesso em 11/01/2022.
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