Nanã Barukê, a senhora da sabedoria

Nanã

Nanã Barukê, a senhora da sabedoria, é a mais velha entre as orixás femininas. Seus cultos e celebrações são ancestrais, advém do período neolítico, antes da invenção da escrita e da descoberta do ferro.

Yabá da sabedoria, guardiã do segredo da vida e da morte

Nanã resguarda a memória ancestral e é, por excelência, uma grande mãe, a anciã que possui o conhecimento e zela pela existência tal qual uma grande matriarca.

Em algumas regiões da África o seu nome é empregado para se referir a pessoas idosas e respeitosas, que resguardam grande sabedoria. Para os povos Jêje, da região do antigo Daomé, significa mãe. 

Nanã é uma das orixás femininas das águas. Mas, diferente dos rios e cachoeiras, que pertencem à Oxum, ou das intempéries dos mares, sob o domínio de Iemanjá, seu lugar é nas águas calmas e tranquilas dos lagos, do lodo e da lama, do pântano.

Considerada a grande senhora da vida e da morte, Nanã tem poder sobre o barro do qual se originou toda a vida.

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A origem das origens

Várias narrativas contam que Nanã participou integralmente da criação do universo e dos seres humanos que aqui vivem. Por isso, em sua memória está guardado o segredo de toda a humanidade.

Segundo a tradição yorubana, quando o grande senhor Olorum deu a Oxalá a missão de criar o mundo e dar forma ao ser humano, ele tentou vários caminhos.

Primeiro, experimentou o ar para fazer as mulheres e os homens, mas não deu certo pois logo desapareceram. Em seguida testou a criação com paus e depois com pedras, mas as duas tentativas foram frustradas, já que as criaturas ficaram muito duras. A tentativa de fazer pessoas do fogo só fez com que a criação fosse consumida em chamas. Vendo que nada dava certo cogitou até fazer os humanos com azeite, água e até vinho de palmas, mas nada funcionou.

Depois de tantas tentativas frustradas, Nanã foi em seu socorro. Apontou o cetro que carregava em suas mãos para o fundo do lago e de lá ela tirou uma porção de lama, que deu para Oxalá modelar homens e mulheres. Ele modelou suas criaturas com muita facilidade, pois a lama da deusa não era dura como pedras e paus, não eram escorregadias como as águas ou fácil de fugir como o ar.

Oxalá entregou suas criaturas para Olorum soprar sobre elas e lhes dar vida, assim a terra foi povoada pela humanidade.

Mas o ser humano é efêmero e irá morrer, ao menos no ciclo deste mundo. E ao terminar essa passagem, o corpo retorna à terra que é propriedade da deusa do barro, por isso, diz-se que: Nanã deu a matéria no começo da criação, mas, no final, quer de volta o que lhe pertence.

Nanã, senhora da justiça

Nanã é possuidora de grande poder e sabedoria, por isso ela é uma das mais temidas e respeitadas orixás. Como é a senhora soberana da vida e da morte, ela é a guardiã do portal que fica entre essas duas dimensões.

Nesse espaço a deusa limpa a mente dos espíritos desencarnados para que eles possam ficar livres de todo o peso e sofrimento que enfrentaram enquanto estavam vivos. É exatamente por isso que quando o ser humano envelhece, pouco a pouco, vai perdendo a memória. É Nanã nos fazendo esquecer e curando as dores das mulheres e dos homens que peregrinam na terra.

A yabá dos lagos é considerada como muito digna e justa, no entanto, dizem que ela costuma privilegiar mais as mulheres em relação aos homens.

Muitas vezes, quando as mulheres reclamavam de seus maridos, Nanã colocavam os eguns (espíritos de mortos) para puni-los. Mas depois os libertava.

O ebó e quizilas de Nanã

Para agradar à senhora da sabedoria, deve-se ofertá-la: arroz, pipoca, feijão, inhame, sarapatel e milho branco. Além disso, ela se agrada muito de oferendas que contenham flores lilás, rosas brancas, calda de ameixa e figo, uvas, maçãs e melão.

Em hipótese nenhuma ofereça à yabá carneiros, peixe de pele, siri, carambola e roupas pretas, pois estas são as quizilas de Nanã. Quizila (kizila), euó (em iorubá: Ewó) ou quijila (kijila) são regras de conduta do candomblé e da religião iorubá, exigidas pelos orixás na feitura de santo e na iniciação em Orumilá, determinando o que um iniciado no candomblé (elegum) não pode comer ou fazer, durante um curto ou longo período da sua vida.

Saudações, cores e outros símbolos de Nanã

Quem deseja saudar a yabá Nanã deve dizer: Saluba Nanã, que significa “nos refugiamos em Nanã” ou ainda “salve a senhora da lama”.

Suas cores são, principalmente, o branco, o lilás e o azul anil. Em suas roupas ou nos acessórios sempre terá uma dessas cores. Já as contas dessa orixá, geralmente, são brancas com traços que também variam entre o azul ou o lilás.

O iberí, bastão feito de madeira e palito de dendezeiro, é uma das ferramentas de Nanã. Tal instrumento costuma ser usado para afastar os espíritos dos mortos da terra, os eguns.

Os grãos e as sementes também estão relacionados à orixá antiga. Como ela é uma yabá ligada à terra, possui uma estreita relação com a agricultura, com os cultivos de plantas e vegetais. No ciclo do plantio, sabe-se que para qualquer planta nascer, a semente precisa primeiro morrer para depois germinar.

Nanã é a senhora da morte e da vida!

As filhas e filhos de Nanã

As iaôs (suas filhas e filhos) que dançam para Nanã, fazem movimentos lentos e cuidadosos, tal qual os idosos, elas se apoiam em um bastão imaginário lançando o corpo para frente. Em alguns momentos volta-se para o centro da roda com os punhos fechados um sobre o outro, como se segurasse um bastão. Em outros, balançam-se os braços como uma mãe ou uma avó ninando uma criança.

Nanã é uma grande ancestral que possui muita experiência e sabe a hora exata de agir. Ela é paciente, sabe ouvir, analisar com cuidado até escolher o caminho a ser seguido. Suas filhas são pessoas calmas, benevolentes e muito dignas. Realizam seus trabalhos com a lentidão de quem tem a eternidade pela frente.

São pessoas sábias, que pensam bastante sobre as decisões a serem tomadas, e rancorosas, pois não conseguem esquecer das feridas do passado.

As filhas de Nanã são muito maternais e cuidam das crianças com a sensibilidade inerente às mães e às avós.

A deusa personificada na experiência

Nanã nos aponta que o tempo é relativo, morte e vida são ciclos. Com ela se aprende a importância de respeitar e ouvir os mais velhos. Porque a sabedoria ancestral enxerga melhor os caminhos e indica direções nas encruzilhadas da vida.

Referências bibliográficas:

PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das letras, 2001
SIQUEIRA, Maria de Lurdes. Agô Agô Lonan mitos, ritos e organizações em Terreiros de Candomblé na Bahia. Mazza Edições: Belo Horizonte, 1998.
VERGER, Pierre Fatumbi. Orixás. Salvador: Corrupio, 2002.