A primeira jornalista profissional do Brasil
O ano de 1852 foi o mais extraordinário de todos. Porque há muito, Dona Narcisa Ignácia e Seu Joaquim Jácome, esperavam a chegada de um grande presente: a filha Narcisa Amália.
Ela nasceu em São João da Barra, Rio de Janeiro e tinha profunda paixão pela cidade.
O Brasil vivia o Segundo Reinado do Período Imperial. Dom Pedro II ocupava o trono desde 1840, quando assumiu o poder, com apenas quatorze anos.
A manobra política conhecida como Golpe da Maioridade nasceu no Partido Liberal e teve como objetivo acabar com as inúmeras rebeliões e agitações sociais iniciadas de norte a sul do Brasil.
A maioridade antecipada de Dom Pedro II pôs fim ao período Regencial, iniciado em 1831 com a abdicação de Dom Pedro I. Primeiro Imperador do Brasil, ele assumiu o poder em 1822, ano da Independência do Brasil. Este período ficou conhecido como Primeiro Reinado.
Nos primeiros anos de seu governo, Dom Pedro II precisou harmonizar as disputas entre Partido Conservador, favorável ao fortalecimento do poder central, e os Liberais, defensor do fortalecimento e da autonomia das províncias. Como estratégia política, implementou o revezamento entre os dois partidos e usou do Poder Moderador para intervir sempre que os interesses do Império estivessem em risco.
A Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra a partir da segunda metade do século XVIII, ganhava o mundo, causando grandes transformações no processo produtivo, nas relações de trabalho e no estilo de vida da humanidade.
Na economia brasileira, o café se estabeleceu como principal produto de exportação. Para melhor transportar o, chamado, “ouro negro”, as primeiras ferrovias foram construídas e os barcos a vapor adentraram nos mares.
Em 1850, o Brasil deu seus primeiros passos rumo à abolição da escravatura. A Lei Eusébio de Queirós, que proibia o tráfico negreiro em terras brasileiras, abre com esperança a década em que Narcisa veio ao mundo.
O tempo a fez crescer. E deu-se início a jornada de uma menina incrivelmente corajosa e sonhadora. Em seu coração palpitava o desejo de se tornar escritora.
… Eu era de meu pai, pobre poeta,
o astro que o porvir lhe iluminava;
de minha mãe, que louca me adorava,
era na minha vida a rosa predileta …
Sua mãe era uma excelente professora; seu pai, poeta e jornalista – por isso aprendeu a ler e escrever desde muito cedo.
Deu seus primeiros passos acadêmicos ao entrar no colégio de Dona Maria da Costa Brito e Azevedo. Havia muitas atividades por lá, e assim que completou 8 anos começou seus estudos de música. Também aprendeu latim e francês.
Em um dia comum, recebeu a notícia que seu pai estava com uma grave doença pulmonar, e logo tiveram que se mudar para Rezende.
Narcisa tinha apenas 11 anos e não entendia a razão de partir do lugar que mais amava no mundo.
Tenho saudade dos formosos lares
Onde passei minha feliz infância;
Dos vales de dulcíssima fragrância,
Da fresca sombra dos gentis palmares.
(…) Lançavam-me correndo na avenida
Que a laranjeira enchia de perfumes!
Como escutava trêmula os queixumes
Das auras na lagoa adormecida! (…).
No entanto, ao chegar, descobriu que dá para se ter mais de um canto favorito nessa vida. Em Rezende, sua nova casa, surgiram alguns trechinhos inspirados por Gonçalves Dias. Especificamente em sua mais linda canção poética para a pátria, a Canção do Exílio.
A Rezende
Enfim te vejo, estrela da alvorada
Perdida nas selagens do horizonte!
Enfim te vejo, vaporosa fada,
Dolente presa de um sonhar insonte!
Enfim, de mau peregrinar cansada,
Pouso em teu colo a suarente fronte,
E, contemplando as pétreas cordilheiras,
Ouço o rugir de tuas cachoeiras! (…)
Ela enfrentou grandes desafios, como ouvir que “livros não eram para meninas” ou “não dá pra ser uma escritora sem que outro menino te chame para o grupo”. Narcisa não gostou nada daquilo — por que só meninos podiam participar?! —, assim como não foi do seu agrado os colégios que seus pais acabavam de abrir. Pois, o colégio Jácome era de meninos, e o Nossa Senhora de meninas. — Adultos são sempre tão confusos! Ela pensava.
Narcisa auxiliava sua mãe nas atividades do ensino superior (coisa de gente grande, sabe?!) e com apenas 13 anos começou a dar aulas de Culturas Gerais no Colégio Nossa Senhora.
O sonho pelas letras palpitava no coração dela. E assim tornou-se a primeira jornalista profissional brasileira. Mesmo que no século XIX as meninas, que já tinham escrito suas próprias histórias, não tivessem sido reconhecidas, conseguiu virar o jogo e marcar um lindo placar.
Nasceu, então, o mais bonito dos sonhos. E no ano mais brilhante – 1872 – reuniu esses trabalhos e compôs seu primeiro livro. Ao qual intitulou: Nebulosas, uma compilação de 44 poemas.
Em seus versos, Narcisa fala de sentimentos, do cotidiano feminino e aborda assuntos de cunho político, ideológico e social. Iniciativa ousada para mulheres de sua época. Ela acreditava no poder transformador das letras e a liberdade era um dos seus temas favoritos.
Salve ! oh ! salve Oitenta-e-nove
Que os obstáculos remove !
Em que o heroísmo envolve
O horror da maldição !
Rolam frontes laureadas
Tombas testas coroadas
Pelo povo condenadas
Ao grito – Revolução !
No pedestal da igualdade
Firma o povo a liberdade,
Um canto a fraternidade
Entoa a voz da nação
Que em delírio violento
Fita altiva o firmamento
E adora por um momento
A deusa – Revolução
Logo, Narcisa obteve grande destaque, recebendo elogios, inclusive, de um dos mais famosos escritores da época, Machado de Assis; e não menos importante, Dom Pedro II, o Imperador do Brasil. Assim, teve oportunidade de mostrar para as pessoas que os sonhos de criança são, também, de gente grande!
Escrevia seus poemas com muito orgulho, incentivando outras mulheres a contarem, também, suas histórias através de novelas, romances ou contos. O gênero não importava, o importante era que mais mulheres revolucionassem os grupos que, até então, eram só para meninos.
Seu livro, Nebulosas, recebeu o prêmio “Lira de Ouro”, em 1873. Em setembro de 1874, Narcisa recebeu o prêmio mais importante dos Grandes Escritores da Mocidade Acadêmica, uma pena de ouro, entregue pelas mãos do conselheiro das letras Saldanha Marinho.
Em forma de protesto, ela discursou pela liberdade feminina, pedindo que mulheres não fossem mais alvo de preconceitos nem banidas dos espaços literários, jornalísticos e políticos. Narcisa Amalia uma das primeiras Feministas do Brasil.
Narcisa Amália provou com sua bravura o poder que as letras possuem. O de revolucionar, inclusive em uma época que a arte feminina não era reconhecida. Assim, abriu portas para que mais mulheres pudessem construir o sonho de se tornarem escritoras.
— Livre o pensamento que necessário que livres sejam os movimentos que devem executá-lo: o código que o dirige está escrito no seu próprio coração e, uma vez compreendido, a tirania é um crime, a sujeição uma violência, às quais só podem submeter-se a fraqueza e a ignorância.
— Voltai os olhos e vereis: a mulher é a escrava do homem, e, se quebram os elos que a jungem ao poste, fica ainda escrava dos preconceitos. Conservaram-na em trevas para que desconheça o seu direito, e quando rompe a nuvem espessa que segrega-a das lucubrações elevadas, quando quer aspirar o ambiente vivificante das regiões superiores, vem o motejo e a irrisão precipitá-la no abismo de onde nunca deveria ter saído. Olhei para o futuro, escrevi o que pensava, o que havia me ensinado a lição caída dos lábios paternos, e deixei que esses pobres pensamentos fossem peregrinar pelo mundo.
Ela se apegou às cartas para falar de sua angústia diante do fato de que outras escritoras não pudessem publicar suas obras com seus próprios nomes. O pseudônimo era um recurso utilizado para que as mulheres traspusessem os limites do patriarcado no mundo acadêmico. Entristecida e revoltada, escreveu para o amigo, Alfredo Sodré, que muito a admirava:
— Como há de a mulher revelar-se artista se os preconceitos sociais exigem que o seu coração cedo perca a probidade, habituando-se ao balbucio de insignificantes frases convencionais?…
Narcisa carregou, desde os primeiros passos, a força de uma guerreira. Por isso alcançou o que mais pretendia, por meio das letras que permeiam sua Poesia. Abrir portas para outras meninas e mulheres, cada vez mais, manifestarem sua essência criativa e, pela arte, revolucionarem todos os espaços.
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