O que é sororidade?

“Você tem que agir como se fosse possível transformar radicalmente o mundo. E você tem que fazer isso o tempo todo.”

Angela Davis

Imagine um mundo transformado. Imagine uma realidade em que há igualdade entre mulheres e homens. Como nós mulheres viveríamos?

É possível imaginar várias situações. Em todas encontramos a sororidade.

Mas o que é sororidade?

A palavra vem do latim “sóror”, cujo significado é “irmãs”. A palavra latina “frater”, “irmãos”, deu origem à palavra ‘fraternidade’, assim como “sóror” nos trouxe ‘sororidade’. Então, nesse aspecto, a sororidade seria o feminino de fraternidade, trazendo a ideia de irmandade entre mulheres.

Sororidade surge em oposição à ideia de que nós mulheres somos rivais. A sororidade se empenha em estimular a união e o apoio entre as mulheres.

Como essa palavra ganhou popularidade nos últimos anos, podemos concluir que os valores que ela abrange estão alinhados às necessidades que reivindicamos na contemporaneidade.

É como se uma palavra ganhasse evidência porque as demais já não dão conta de transmitir toda subjetividade que se pretende manifestar.

Assim, percebemos que não é a contemporaneidade quem inventou a sororidade, mas nos tempos atuais essa palavra reivindica seu espaço para acentuar a valorização da empatia, a importância do cuidado com as outras mulheres e o sentimento de irmandade.

É na contemporaneidade que vemos fortalecer a reflexão sobre como nos comportamos com as outras mulheres. A sororidade atua na orientação sobre como agir com nossas irmãs. O objetivo é tornar o mundo mais justo para todas as mulheres, incluindo nós mesmas.

Mas, a sororidade age no campo da reflexão, e também no da prática. Na reflexão, pois é recorrente o debate sobre esse assunto em diversos meios de comunicação, como na mídia e no ambiente virtual. Mas exige a prática, pois se faz urgente a mudança do comportamento social com base nos valores acentuados pela sororidade.

Esse artigo aborda as características da sororidade e sua importância na sociedade contemporânea, bem como algumas atitudes que podemos aplicar no cotidiano para uma relação mais colaborativa entre as mulheres.

O Feminismo e a sororidade

“Eu não sou livre enquanto alguma mulher não o for, mesmo quando as correntes dela forem muito diferentes das minhas.”

Audre Lorde

O feminismo fala muito sobre sororidade, especialmente sobre seu aspecto ético e político. Na verdade, a sororidade é um dos alicerces do feminismo que só toma proporções maiores em decorrência da irmandade entre as mulheres.

O movimento feminista estimula a transformação do substantivo em verbo. Para além dos valores morais e éticos, sororidade é ação.

Sororidade no combate à rivalidade entre as mulheres

A Sororidade propõe a união entre as mulheres e para isso é necessário eliminar ideias que incitam a rivalidade entre nós.

“Mulher não tem amiga mulher.”
“Mulher trai as amigas”.
“A mulher compete com as outras”.
“Mulher não se arruma pra ela, mas para causar inveja nas outras”.

Você já deve ter ouvido frases como essas acima.

Nós sabemos que a cultura nos cria assim como criamos a cultura. Sabendo dessa via de mão dupla, também podemos concluir que podemos alterar a cultura a nossa volta.

Os valores que se baseiam na incitação da rivalidade feminina vem de uma construção sociocultural. A sociedade em que vivemos é embasada em valores patriarcais que estimulam essa perspectiva.

No entanto, algumas linhas de pensamento defendem que “naturalmente” as mulheres tendem a se apoiar, manifestando sensibilidade e empatia umas com as outras.

A sororidade nos ensina novas subjetividades que se opõem à perspectiva social vigente que fomentou a visão de rivalidade feminina. Ela vem propor a reflexão sobre o assunto e a transformação dessas perspectivas aplicadas na ação, propondo a substituição desses valores pela união.

“Não me elogie insultando outra mulher”
“Mexeu com uma, mexeu com todas!”
“Meu corpo, minhas regras!”

A chamada “competição feminina” prejudica as mulheres como um todo. Sabemos que podemos fazer diferente, e em resposta a isso, muitas mulheres tem se empenhado em redes de apoio.

A sororidade encontra seu espaço na prática.

Ela está nas manifestações de rua, nas hashtags feministas, nas políticas públicas e nos movimentos realizados por mulheres e para as mulheres, fortalecendo nossos laços.

Sororidade pretende o fortalecimento dos laços entre as mulheres

“Nós criamos meninas para enxergarem umas às outras como competidoras – não por trabalhos ou realizações, o que eu acredito ser uma boa coisa, mas pela atenção de homens.”

Chimamanda Ngozi Adichie

O fortalecimento desses laços compreende uma prática cada vez mais articulada: o compartilhamento de experiências entre as mulheres.

Quando nós mulheres partilhamos nossas narrativas e encontramos um lugar de escuta e estimulamos o sentimento de empatia entre nós, pois muitas mulheres se reconhecem nas histórias das outras.

Mas, mesmo uma mulher com privilégios sociais se encontra na dor da outra, não pela vivência pessoal, mas pelo reconhecimento de que sua “irmã” não deve passar por aquilo.

Na perspectiva da sororidade, a pauta da mulher que sofre socialmente é a mesma da que tem privilégios.

Essa empatia que gera a ação em uma luta pelo coletivo não é simplesmente um exercício altruísta, e sim, o reconhecimento de identidade coletiva.

Essa identidade coletiva, “mulheres”, é múltipla e tem os mais variados aspectos e pautas.

Dessa forma, a sororidade fortalece e empodera a coletividade e a individualidade. É o exercício de se colocar no lugar de outra mulher, mas sem apagar o seu lugar.

A amizade feminina é um exemplo de sororidade. A rivalidade entre as mulheres é substituída pela ausência de conflito, fomentada pela plena emancipação feminina em colaboração com as outras.

Trata-se de uma atitude que insere novas regras dentro dos ambientes de socialização entre as mulheres.

Sororidade e a rede de articulação entre as mulheres

“Toda vez que uma mulher se defende, sem nem perceber que isso é possível, sem qualquer pretensão, ela defende todas as mulheres.”

Maya Angelou

A articulação coletiva entre as mulheres é uma possibilidade real e ela é estimulada pela sororidade.

Essa articulação em rede não é necessariamente ligada a um movimento engajado social e ou político. Ela surge com o objetivo de promover o bem estar de outras mulheres.

Ainda assim, faz parte de um movimento social, embora não convencional, que se empenha na transformação. Sororidade é uma forma de entender e viver a vida. A mudança ocorre na prática cotidiana.

Diversas redes de mulheres apontam isso. São grupos que se organizam em torno de uma atividade como por exemplo, redes de apoio às mães.

Nesses grupos a sororidade é praticada, inserindo no cotidiano dessas mulheres uma outra maneira de se relacionarem umas com as outras. Isso possibilita a inserção dessa perspectiva em outras instâncias da vida de cada mulher.

Sororidade e interseccionalidade

“Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela.”

Angela Davis

As intersecções de raça, classe, orientação sexual e faixa etária, por exemplo, podem despertar a acentuação das divergências.

Esse espaço em que ocorre a “não semelhança” é desafiador, mas o norte é justamente entender as individualidades dentro do coletivo.

É preciso pensar nas múltiplas formas de lidar com as diferenças. Se há diferenças nas vivências é preciso também abarcar as diferenças na abordagem.

Isso ocorre estabelecendo relações não hierárquicas, fomentando um espaço para a criatividade na busca de soluções de problemas reais.

É necessário o exercício de lapidar um olhar que reconheça essas assimetrias de poder presentes na sociedade a fim de enxergarmos as formas de desconstruí-las.

Para isso é necessário o exercício da escuta.

Ouvir os sujeitos da relação, compreendendo os mais variados discursos, possibilita a empatia com as dores das mais diversas mulheres.

Atitudes para viver em sororidade

“Os corpos das outras mulheres
não são os nossos campos de batalha.”

Rupi Kaur

A sociedade em que vivemos afeta a visão das mulheres sobre elas mesmas e sobre as outras mulheres, e nesse paradigma, nem sempre a sororidade se faz presente.

Colocar a sororidade no dia a dia é possível começando com algumas atitudes simples. Levantamos 5 delas para você exercitar no seu dia a dia.

Não julgue e nem ofenda uma mulher

Uma pesquisa da Datafolha revelou que 1 em cada 3 brasileiros culpam as mulheres que são vítimas de estupro. A pesquisa também constatou que 85% das mulheres do país temem pela violência sexual e que 42% dos homens acham que a mulher estuprada não se dá ao respeito. 33,3% da população brasileira acredita que a vítima é culpada.

A pesquisa do Datafolha é de 2016 e foi encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Na esteira desse pensamento está o julgamento que a sociedade impõe sobre as mulheres, seja pela forma como ela se porta ou pela roupa que ela veste.

Mesmo muitas mulheres que reconhecem a luta feminista muitas vezes caem nesse comportamento que se afasta da sororidade.

Aplicar a sororidade no dia a dia é reconhecer que toda e qualquer mulher deve se vestir ou se portar como ela quiser, sem que haja uma cobrança por um padrão de comportamento. Aplicar a sororidade é não julgar nossas irmãs.

Xingamentos direcionados à mulher também devem ser eliminados do nosso vocabulário, bem como estimularmos outras mulheres a essa reflexão e mudança de comportamento.

Apoie outras Mulheres

Um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2019, revelou que, com relação ao mercado de trabalho, as mulheres correspondem a 45,6% do nível de ocupação, enquanto os homens, 64,3%.

Essa desigualdade demonstra que o problema do desemprego no Brasil é também um problema de gênero, apontando que as mulheres sofrem mais com o desemprego do que os homens.

Uma forma de cada uma de nós contribuir para essa mudança é indicar vagas de trabalho para as mulheres e dar preferência aos serviços prestados por elas.

Escute outras Mulheres

Escutar outras mulheres amplia a nossa percepção sobre as mais diversas experiências do feminino.

Isso não significa que você deva concordar com tudo o que outras mulheres fazem ou pensam.

Trata-se de um exercício em que podemos entender o lugar de vivência de outras mulheres e suas mais variadas perspectivas, promovendo a empatia para com as outras.

Não há espaço para competição

O pensamento machista influencia na ideia de que somos rivais. Comparar-se a outras mulheres é uma das atitudes que reforçam isso.

Essa postura além de nos distanciar insere nas mulheres um sentimento de não ser boa o suficiente, afinal, sempre haverá uma mulher mais jovem, mais magra, mais bonita, quando olhamos por esse viés.

Romper com essa visão também é essencial para que não aceitemos a imposição de um padrão de beleza. A sociedade acentua a estética feminina como a qualidade mais valorizada da mulher no meio social.

Essa perspectiva competitiva também nos afasta de outras mulheres, além de comprometer o potencial de identificarmos as nossas qualidades e particularidades.

Padrões de beleza são construídos socialmente. Cada mulher tem sua beleza e ela não deve ser o fator de valorização ou desvalorização de uma mulher na sociedade.

Incentive outras Mulheres

Faça isso com as mulheres à sua volta. Pode ser com aquela sua amiga próxima, ao incentivá-la a realizar seus projetos. Ou ainda, com uma total desconhecida na rua quando ela estiver precisando de ajuda.

Somos incentivadas socialmente a competir. Aplicar a sororidade no dia a dia é mostrar que incentivamos a cooperação.

Quando você ajuda uma mulher ajuda a si mesma e a todas nós.

Percebemos portanto que a sororidade possibilita uma experiência afetiva que fomenta a reconfiguração das relações entre as mulheres. Essa experiência se manifesta na ação, alterando paradigmas e consequentemente construindo um mundo comprometido com a igualdade.

A intersecção ocorre com um olhar sobre a vida humana em suas mais variadas formas de viver.

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