Reforma Administrativa

O que as cientistas políticas tem a nos dizer sobre a Reforma Administrativa?

Assunto recorrente no ambiente político, a proposta da Reforma Administrativa tem ocupado um espaço considerável na mídia. Debates, análises e prognósticos são expostos na televisão, jornais, sites, redes sociais, isso sem falar na própria Câmara dos Deputados. A maior parte desses diálogos é realizado por homens.

Pensando na democratização desse debate, o “Mulheres de Luta” convidou duas cientistas políticas para ampliar essa discussão: Gabriela Lotta, doutora, professora e pesquisadora em Ciências Políticas; e Daniela Costanzo, mestra e doutoranda em Ciências Políticas.

Nas duas entrevistas, alguns dos pontos mais abordados com relação à Reforma Administrativa são: a dimensão da atuação do Estado nos serviços públicos, a qualidade desses serviços, a metodologia de avaliação do funcionalismo público e as desigualdades de raça, gênero e de salários.

Para começar sua análise Gabriela Lotta parte da Constituição de 88 que passa a ter por base o Estado de bem-estar social, a fim de garantir aos brasileiros o direito à serviços básicos como educação, saúde, habitação, entre outros. Para isso, o Estado precisa prover esses serviços de forma pública, o que implica em criar uma estrutura que consiga realizar esses serviços, incluindo a contratação de funcionários, entre outros. Gabriela Lotta reforça:

“Não existe direito à educação, por exemplo sem construção de escolas, sem contratação de professores e de todos os outros profissionais que fazem parte da vida escolar. Não existe política e direito à saúde, se nós não construirmos hospitais, unidades básicas de saúde, centros de atendimento e contratarmos esses profissionais.”

Ou seja, o primeiro problema apontado por Lotta com relação à Reforma Administrativa incide justamente em seu alinhamento com as bases constitucionais. Uma vez que o Estado passou a oferecer e ampliar os serviços básicos à população, bem como administrá-los, a redução da participação do Estado pode nos trazer inúmeras consequências.

Além da redução da participação do Estado, Gabriela Lotta aponta o desafio quanto a melhoria da qualidade dos serviços.

Daniela Costanzo também aponta preocupações com relação a qualidade dos serviços prestados pelo funcionalismo público.

“Em primeiro lugar, a qualidade (dos serviços) depende de bons salários e muitos funcionários públicos bons, e não é isso que está sendo feito com essa reforma. A gente tá tirando benefícios de funcionários que não são da elite do funcionalismo. E também, a qualidade depende da continuidade das políticas públicas (…) independente da mudança dos gestores. Por isso a gente tem estabilidade de emprego no setor público, e é importante que haja uma continuidade das políticas públicas.”

A observação de Costanzo reforça um outro problema: as desigualdades de salários, benefícios e participação de grupos variados da sociedade.

“Nós temos desigualdades de salários. Tem alguns servidores com super salários. Os salários do judiciário costumam ser maiores do que dos outros poderes. E nós temos desigualdades de raça e gênero. Normalmente as mulheres, as negras e negros, estão em menos cargos de direção e têm salários menores (…) Nas desigualdades ela (a reforma) não muda nada, por que ela não atinge a elite do funcionalismo público. Então, aqueles funcionários que já têm super salários e acúmulo de benefícios, não serão atingidos com a reforma.”

Lotta e Costanzo avaliam inclusive a opinião pública com relação à Reforma Administrativa. Costanza, por exemplo, levanta a questão de como a população brasileira vê o funcionalismo público.

“Há uma percepção na sociedade brasileira de que o funcionalismo público é privilegiado e, ao mesmo tempo, há um desejo de que os serviços públicos sejam melhores. O Governo faz uma propaganda de que essa PEC vai melhorar o serviço, e também vai reduzir as desigualdades, o que são duas premissas falsas.”

Lotta, que defende a ampliação do Estado na responsabilidade dos serviços públicos e maior qualidade desses serviços, também entende que a Reforma deveria propor o oposto do que ela preconiza. Ela sugere que o Estado deveria identificar os problemas e melhorá-los.

Com base nisso é que Lotta aponta um dos maiores desafios com relação ao debate da Reforma Administrativa, a possível perspectiva de uma parcela da população.

“Para a população, quando as pessoas sentem que a saúde e a educação e outros, são serviços que não tem qualidade, talvez a narrativa mais fácil de se comprar é que: “já que o serviço não é bom, é melhor acabar com o serviço. Mas isso na verdade vai fazer a gente voltar para uma não provisão de serviços públicos universais, em um país em que nós temos uma parcela gigantesca da população que depende do Estado.”

Assista às entrevistas na íntegra

Daniela Costanzo

Com artigos publicados que transitam entre a política, economia, mobilidade urbana e relação entre Estado e iniciativa privada, a doutoranda e Mestra em Ciência Política, Daniela Costanzo, vem atuando há anos além das pesquisas acadêmicas, contribuindo diretamente como professora em cursos de métodos e técnicas de pesquisa no Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).

ASSISTIR