Vênus de Milo

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A mais bela e desejada de todas as divindades romanas, Vênus era a deusa do amor, do sexo e da paixão erótica.

Vênus de Milo, esculpida por Alexandre de Antioquia, aproximadamente 130 a.C. Universalmente considerada uma obra-prima da época clássica, a Vênus de Milo retrata a deusa em uma pose fácil e natural, enquanto ostenta seu charme sedutor. Desaparecida por séculos, a estátua foi descoberta em meio às ruínas do antigo Milos por um camponês grego. Enquanto essa estátua na verdade retrata a deusa romana, o termo “vênus” é usado para descrever qualquer figura feminina nua da época.

Museu do Louvre, Paris, França.

Vênus era a deusa romana do amor, dos cuidados maternais, da reprodução sexual e do desejo erótico. A mais adorável de todas as divindades, Vênus desejava – e era desejada – tanto pelos deuses como pelos mortais. Assim como o Grego Apolo, Vênus tinha uma sexualidade fluida e se envolvia tanto com os amantes masculinos quanto os femininos. Ela também era a guardiã dos amantes e prostitutas, e uma figura importante na religião romana. Vênus foi adaptada da deusa grega Afrodite, com a qual ela compartilhou uma tradição mitológica.

Vênus foi oficialmente incorporada e adotada no panteão romano no terceiro século a.C. Durante as Guerras Púnicas dos séculos II e III a.C., Vênus foi projetada para ajudar os romanos e garantir suas vitórias sobre os cartagineses. Sua importância como figura de adoração atingiu o auge pouco depois, embora ela tenha continuado a ser venerada até a ascensão do cristianismo no quarto século d.C. Reverenciada por trazer a vitória aos romanos, Vênus também foi celebrada como a mãe de Eneias, antepassado de Rômulo, o fundador de Roma. Mais tarde, Júlio César associou publicamente a linhagem de sua família à linha materna da deusa, tornando Vênus a progenitora da primeira dinastia imperial.

Etimologia de Vênus

O nome “Vênus” provém diretamente do substantivo latino clássico venus, que significa “amor”. Este substantivo era frequentemente usado para denominar particularmente o amor ou o desejo sexual. Também estava diretamente relacionado ao verbo venerari, que significa “amar ou reverenciar”, também a raiz da palavra inglesa “venerate” (venerar).

Há quem tenha especulado que “Vênus” estava relacionado à palavra latina venenum, substantivo que significa “veneno”, “poção”, “charme”, ou talvez até “afrodisíaco”, uma referência ao seu suposto controle sobre a paixão.

Vênus Felix aparece no verso desse sestércio de bronze, cunhado entre 222 e 235 d.C. Nessa imagem, Vênus segura um bastão em uma mão e um cupido na outra. Museu de Belas Artes, Boston.

Vênus foi identificada por uma série de epítetos, cada um representando uma personalidade distinta da deusa. Ela era conhecida como Venus Caelestis ou “Vênus Celestial “, e Venus Ericina ou “Vênus de Eryx”, sua personificação cartaginesa. Ela foi chamada de Venus Felix, “Lucky Venus/ Vênus da Sorte”, por seu papel em mudar as marés da batalha, como ela fez durante a Segunda Guerra Púnica.  Ela também foi Venus Genetrix ou “Vênus, a Mãe”, um título promovido por ninguém menos que Júlio César, baseado no seu papel de deusa na criação do estado romano. Em uma linha mais leve, ela foi Venus Murcia, “Vênus da Murta”, e por ser uma protetora amorosa de Roma, ela foi tanto Venus Obsequens, “Vênus Indulgente/ Vênus que adora” quanto Venus Victrix, Vênus, a Vitoriosa.

Atributos de Vênus

Como deusa do amor e do sexo, Vênus possuía a capacidade de fazer com que os mortais e deuses se apaixonassem loucamente. As principais armas de Vênus eram seu encanto e apelo erótico e, em sua tradição mitológica, muitos foram vítimas deles.

Vênus em uma concha, de um afresco preservado na antiga Pompéia.

As representações de Vênus eram geralmente encontradas em ambientes domésticos. Em muitas de suas aparições, ela era acompanhada por símbolos como a rosa – um símbolo de fertilidade, paixão sexual e genitália feminina. Além disso, ela era frequentemente retratada com uma coroa de murta (um arbusto verde com flores brancas). Essa coroa rapidamente se tornou um de seus principais símbolos. As conchas do mar eram outro objeto comum; elas serviam tanto como referência ao nascimento de Vênus no mar quanto mais um dos muitos símbolos eróticos de Vênus.

Família de Vênus

Devido às circunstâncias incomuns de seu nascimento, Vênus não teve pais no sentido tradicional. Tecnicamente, o pai de Vênus era Urano, o pai de Saturno e avô de Júpiter. Sua mãe era o mar, que encarnava o espírito passivo feminino no pensamento romano. 

Quando adulta, Vênus casou-se com Vulcano, o deus do fogo e mestre da metalurgia. O casamento deles, cheio de desconfiança e infidelidade, não gerou filhos. O grande amante de Vênus era Marte, o deus furioso da guerra, paixão e raiva. Os filhos de Vênus com Marte eram Fobos, a encarnação piedosa do medo, e os gêmeos Concórdia e Deimos, a deusa da harmonia e o deus do terror, respectivamente. Vênus e Marte também tiveram um grupo de crianças conhecido como as criaturas aladas de cupidos que simbolizavam o amor em todas as suas formas.

Um antigo artefato ornamental romano representando Vênus e seu amante, Marte. Museu Metropolitano de Arte.

Com Mercúrio, Vênus teve Hermafrodito, uma criança andrógena com órgãos sexuais masculinos e femininos. Com Anquises, Vênus teve um filho de grande importância para Roma: o herói guerreiro Eneias. De acordo com Virgílio, Eneias criou uma linhagem real que incluía os “gens” (clã) dos Júlios, os antepassados de Júlio César (destaca-se que o filho adotivo de César, Augusto, era o principal patrono de Virgílio).

Mitologia

Nascimento

Vênus foi criada sob circunstâncias bastante incomuns. Seu pai, Urano, foi o governante original do universo e criou o mundo com Gaia, a “Terra”. Quando o filho de Urano, Saturno, destronou seu pai (uma façanha repetida mais tarde pelo próprio filho de Saturno), o usurpador cortou os genitais de seu pai e os lançou no mar. Lá, o pênis e os testículos cortados misturaram-se com a espuma do mar e produziram Vênus. Na arte, essa cena muitas vezes representava Vênus saindo de uma madrepérola ou de um molusco.

O Nascimento de Vênus (1485) de Sandro Botticelli. Este quadro pode ser a representação mais conhecida de Vênus saindo do mar, uma cena muitas vezes retratada na arte antiga e neoclássica. Galleria degli Uffizi, Florença, Itália.

Esposos e amantes

Embora ela fosse casada com o deus ferreiro Vulcano, Vênus tinha um apetite sexual voraz que não podia ser satisfeito por um único homem. Uma história famosa contava a infidelidade de Vênus, assim como seu casamento infeliz. Durante um de seus inúmeros encontros, o deus mensageiro Mercúrio descobriu o seu caso. Sempre inclinado a prejudicar, Mercúrio informou a Vulcano sobre o caso. Ao receber essa notícia, Vulcano começou a trabalhar na sua oficina. Não demorou para que ele criasse uma rede de material tão fino que era quase indetectável, ele enrolou essa rede na sua cama e esperou. Quando Vênus e Marte foram usar a cama, ficaram presos na rede. Então, Vulcano reuniu os deuses para zombar dos amantes nus que haviam caído na sua armadilha.

Nas Metamorfoses, de Ovídio, Vênus teve um caso com Adônis, um homem mortal conhecido por sua beleza ímpar. Como explicou o poeta, Vênus foi cortada com a flecha de Cupido, um de seus filhos, enquanto ela se curvava para beijar a criança. A ferida penetrou profundamente em seu coração e a fez se apaixonar pelo mortal Adônis. Os dois foram muito felizes juntos:

“Ela o abraça e é sua companheira e embora esteja acostumada a ficar sempre ociosa na sombra, ao adorá-lo, realça sua beleza, ela vagueia pelas montanhas e florestas e pelas encostas de penhascos espinhosos, sua roupa ficou presa até o joelho, como Diana.”

Vênus e Adônis, retratados pelo pintor italiano Ticiano. Em uma cena inspirada em “As Metamorfoses” de Ovídio, Vênus tenta impedir que Adônis vá a uma caçada perigosa. Museu Metropolitano de Arte.

Com Adônis, Vênus adotou um estilo de vida mais rústico, embora ela tenha permanecido cautelosa. Ela alertou Adonis a evitar animais selvagens perigosos, afirmando que “nem a juventude nem a beleza, nem os encantos que abalam Vênus atingem leões ou javalis ou os olhos e mentes de outras criaturas selvagens”. Mas Adônis não escutou essas palavras sábias. Ele estava caçando javalis quando uma das presas do animal de repente o feriu na virilha, matando-o. Quando Vênus viu o que aconteceu, ela foi tomada pela tristeza:

“Quando, do alto, ela viu o corpo sem vida, coberto em seu próprio sangue, ela se jogou, rasgando suas roupas e cortando seus cabelos também, e bateu violentamente em seus seios com as mãos, queixando-se do seu destino.”

Ao colher o sangue de Adônis e misturá-lo com néctar, Vênus criou uma flor vermelha em homenagem ao seu amante. Como Adônis, a flor era bela, mas de vida curta, pois perdeu suas lindas pétalas poucos dias depois de desabrochar. A flor era conhecida como a flor de vento ou anêmona.

Vênus, Eneias ou A Eneida

Na tradição mítica da Eneida, de Virgílio, Vênus foi retratada como amante de Anquises, um membro da família real de Tróia. Segundo essa tradição, Vênus se disfarçou de uma linda virgem e o seduziu, apenas revelando sua verdadeira identidade depois que engravidou. Ela rapidamente deu à luz a Eneias, que se tornou um poderoso herói troiano.  Depois da queda de Tróia, Eneias aventurou-se no Mar Mediterrâneo para cumprir uma profecia de que um dia encontraria um grande império italiano.

Em Eneida, Vênus foi a principal responsável pelo desenrolar dos acontecimentos assim como uma incansável defensora de seu filho em apuros. Vênus socorreu Eneias depois de descobrir que Juno havia enviado uma enorme tempestade para impedir que sua frota chegasse à Itália. Vênus apelou para Júpiter, que intercedeu para conter a tempestade, antes de levar seu filho à Cartago em segurança. Disfarçada de uma senhora, ela levou Eneias e seus discípulos até a encantadora rainha Dido. Ao se dirigirem à rainha, Vênus protegeu seu filho e seu grupo dos olhares perigosos:

“Mas Vênus os cobriu, enquanto partiam, com ar sombrio, e os envolveu, já que era uma deusa, em pesadas nuvens, para que ninguém pudesse vê-los ou tocá-los, ou os impedissem ou os procurassem.”

Vênus na Forja de Vulcão (1704) do artista italiano Francesco Solimena. Em uma sequência da Eneida, de Virgílio, Vênus pede um escudo e uma armadura para o seu filho Eneias. Museu J. Paul Getty/ The Getty

Mais tarde, quando Eneias navegou de Cartago para a Itália, Vênus suplicou a Netuno que lhe proporcionasse uma travessia segura através do Mediterrâneo. Netuno concordou alegando que o capitão desafortunado, Palinuro, seria sacrificado. Na chegada de Eneias à Roma, Vênus lhe deu armas e armaduras que haviam sido fabricadas por Vulcano. Essas armas seriam usadas na próxima guerra contra os latinos. No escudo de Eneias, Vulcano retratou os futuros triunfos dos romanos, como a vitória de Augusto sobre seus inimigos na batalha de Áccio em 31 a.C. (como contemporâneo e sobrevivente da sangrenta guerra civil que terminou em Áccio, Virgílio tinha todos os meios para apaziguar Augusto e apresentar seu triunfo como um momento marcante na história romana). Finalmente, nos penúltimos momentos de Eneida, Vênus interferiu e curou Eneias depois de ele ter sido atingido por uma flecha.

Vênus e a religião do Império Romano

Vênus foi incorporada oficialmente à religião do estado romano no início do terceiro século a.C., quando o cônsul Quinto Fábio Máximo Gurges dedicou um templo à Venus Obsequens ou “Indulgente Vênus”. Durante a Segunda Guerra Púnica no final do século III a.C, os romanos apelaram à Vênus, que naquela época era protetora de Cartago, para obter ajuda. Eles lhe pediram para mudar de posição e até saquearam Eryx, uma fortaleza cartaginesa que abrigava um de seus templos, em uma tentativa de bajulação. Os romanos capturaram uma relíquia sagrada do templo e a levaram de volta à Roma, onde foi mantida no Templo da Venus Obsequens. A intercessão de Vênus foi considerada uma reviravolta a favor dos romanos.

No primeiro século a.C., Júlio César declarou ser um descendente direto de Vênus através da família que ela criou a partir de Eneias; essa declaração foi posteriormente corroborada pelo poeta Virgílio, que apresentou Vênus como a fundadora da família Júlio. César tinha motivos políticos, assim como seu rival Pompeu, que também alegou ser beneficiado por Vênus. Mais tarde, César construiu um templo em homenagem à Venus Genetrix ou “Vênus, a Mãe”.

Ruínas do Templo de Venus Genetrix fundadas em 46 a.C. Alegando ser descendente de Vênus e de seu filho Eneias, Júlio César encomendou a construção do templo para comemorar suas vitórias sobre Pompeu. Fórum de César, Roma, Itália.

Os romanos realizavam três festivais em homenagem à Vênus anualmente. Celebrado em 1º de abril, Venerália foi dedicado à Vênus Verticórdia, ou “Vênus, a trocadora de coração”. Vinalia Urbana, que aconteceu em 23 de abril, foi um festival de vinho celebrado por Júpiter, no qual prostitutas se reuniram diante do Templo de Vênus, oferecendo murta e menta e recebendo em troca bênçãos. Comemorada em 19 de agosto, a Vinalia Rustica foi outra festa do vinho e celebração da fertilidade na qual os devotos de Vênus ofereceram uma ovelha fêmea como sacrifício.

Cultura pop

Vênus permaneceu atual na cultura pop moderna, como símbolo de amor e erotismo. Devido à sua ligação com a beleza e sexualidade, ela tem sido utilizada por diversas marcas famosas de cosméticos. Uma dessas empresas, a Gillette, criou uma linha de produtos de barbear feminina com o nome da deusa. Outra empresa, Venus Skin Care, também usou o nome da deusa como estratégia de marketing.

Seu nome tem sido usado em vários títulos de filmes. O filme francês Vênus (1984) retrata as aventuras de dois empresários americanos enquanto viajam em busca de uma modelo para sua linha de cosméticos (chamada, é claro, de Vênus). Outros três filmes adotaram o título Vênus. Um desses filmes mais recentes foi centrado na vida de uma mulher transexual que revelou sua identidade.

Vênus também esteve presente em músicas, incluindo o single de Miles Davis (1957), Venus de Milo, e o hit da banda Shocking Blue, Venus. Essa última canção possuía a seguinte letra: “Bem, eu sou a sua Vênus/ Eu sou o seu fogo quando desejar”.  A música Venus, de Lady Gaga (2013) invocou diretamente a deusa e sua capacidade de manter uma sexualidade irresistível: “Não consigo deixar de me sentir assim/ Deusa do amor, por favor, me leve à sua líder/ Não posso parar, continuo dançando/ Deusa do amor!”. 

Por último, Vênus também batizou o segundo planeta do Sistema Solar. Combinando com o seu nome, Vênus é o planeta mais brilhante do sistema.

Tradução: https://mythopedia.com/roman-mythology/gods/venus/